Um modelo alimentar para a nutrição adequada: densidade de nutrientes e processamento dos alimentos
A busca por uma alimentação saudável frequentemente se apoia em recomendações genéricas, muitas vezes desconectadas das realidades culturais, regionais e fisiológicas das populações. No entanto, um artigo publicado na revista Animal Frontiers propõe uma abordagem mais flexível, centrada na ideia de “nutrição adequada”. Esse conceito vai além de evitar doenças crônicas ou atingir níveis mínimos de nutrientes — ele se refere ao bem-estar integral, considerando saciedade, vitalidade, tradições alimentares e necessidades individuais.
O que é uma nutrição adequada?
A proposta dos autores é reorientar o foco das diretrizes alimentares tradicionais, que muitas vezes são baseadas em evidências de baixa qualidade e fortemente influenciadas por contextos históricos, ideológicos ou culturais. Ao invés de impor um padrão único de dieta, o artigo defende um espaço alimentar onde se equilibrem dois elementos fundamentais:
- Densidade de nutrientes: A quantidade e qualidade de nutrientes por caloria consumida.
- Nível de processamento dos alimentos: A extensão com que os alimentos são modificados industrialmente.
A flexibilidade alimentar deve existir dentro de certos limites. Dietas que exageram em alimentos ultraprocessados ou que minimizam excessivamente os alimentos de origem animal correm o risco de serem nutricionalmente inadequadas.
O papel dos alimentos de origem animal
A análise dos autores mostra que alimentos como carnes, ovos, peixes e laticínios estão entre os mais densos em nutrientes essenciais, como ferro heme, vitamina B12, zinco e DHA. Estimativas evolutivas e antropológicas indicam que sociedades caçadoras-coletoras obtinham entre 30% e 70% de suas calorias a partir de alimentos de origem animal.
Embora exista debate sobre riscos à saúde associados ao alto consumo desses alimentos, principalmente carne vermelha, as evidências mais recentes questionam fortemente esses temores. Por exemplo, revisões sistemáticas demonstram que os efeitos negativos são, quando muito, pequenos e incertos. Ademais, dietas que combinam carne com vegetais e alimentos minimamente processados tendem a não apresentar os riscos tradicionalmente atribuídos a ela.
Segundo o artigo, um consumo em torno de 25% a 30% das calorias totais provenientes de fontes animais é geralmente suficiente para evitar deficiências nutricionais na maioria das populações, especialmente quando os alimentos vegetais consumidos não são tão variados ou densos em nutrientes como os de populações ancestrais.
O desafio dos ultraprocessados
O segundo eixo da discussão diz respeito ao grau de processamento dos alimentos. Enquanto o processamento tradicional (como fermentação, cozimento e conservação artesanal) pode melhorar a digestibilidade, segurança e até a biodisponibilidade dos nutrientes, o processamento ultraprofundado — característico de alimentos prontos, com muitos aditivos e ingredientes refinados — está associado a efeitos negativos na saúde.
Mesmo quando fortificados, os ultraprocessados tendem a apresentar menor complexidade bioquímica, o que pode desregular os sinais naturais de fome e saciedade, favorecendo o consumo excessivo e a baixa qualidade geral da dieta. Estudos randomizados mostraram que dietas com alto teor de ultraprocessados levam a maior ingestão calórica e ganho de peso, mesmo quando igualadas em macronutrientes com dietas baseadas em alimentos minimamente processados.
A matriz ideal: alta densidade nutricional e baixo processamento
Gráficos apresentados no artigo (páginas 4 e 5) ilustram claramente o espaço ideal para a alimentação humana: uma zona verde onde a densidade de nutrientes é alta ou média e o processamento dos alimentos é baixo ou moderado. Essa zona corresponde amplamente aos padrões alimentares ancestrais, que se baseavam em alimentos integrais, com certo uso de técnicas tradicionais de processamento, e com presença significativa de alimentos de origem animal.
Considerações especiais: grupos com necessidades elevadas
O modelo proposto é particularmente relevante para populações com necessidades nutricionais específicas — como crianças pequenas, gestantes, lactantes e idosos. Nesses grupos, a deficiência de nutrientes como ferro, zinco e vitamina B12 pode causar consequências graves e duradouras, como atraso no crescimento e problemas no desenvolvimento cognitivo. Por isso, organismos como a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendam a inclusão diária de alimentos de origem animal na alimentação complementar de crianças entre 6 e 23 meses.
Conclusão
A proposta dos autores não é um plano alimentar fechado, mas sim um quadro flexível que permite uma ampla diversidade de dietas dentro de parâmetros seguros e eficazes. A recomendação principal é simples: dar preferência a alimentos densos em nutrientes, majoritariamente minimamente processados, respeitando as tradições alimentares e as preferências individuais. Trata-se de uma visão mais inclusiva e adaptativa, que valoriza tanto a ciência nutricional quanto o contexto humano em que ela se insere.
Diante do aumento global de doenças relacionadas à alimentação, talvez seja hora de repensar o conceito de “alimentação saudável” e substituí-lo por algo mais robusto, realista e centrado no ser humano: a nutrição adequada.
Fonte: https://doi.org/10.1093/af/vfae032
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