Segurança alimentar em risco: as consequências de limitar alimentos de origem animal


Nas últimas décadas, o debate sobre a sustentabilidade dos sistemas alimentares ganhou força e, com ele, surgiram propostas de políticas públicas que visam restringir o consumo de alimentos de origem animal. Essas iniciativas, muitas vezes bem-intencionadas, são impulsionadas por preocupações ambientais, de saúde pública e bem-estar animal. No entanto, um novo estudo publicado pela American Society of Animal Science traz uma advertência contundente: a limitação desses alimentos pode ter efeitos devastadores sobre a segurança alimentar, especialmente entre os mais vulneráveis.

Segundo a definição da FAO, segurança alimentar é alcançada quando todas as pessoas têm acesso físico, social e econômico a alimentos suficientes, seguros e nutritivos. Atualmente, mais de três bilhões de pessoas em todo o mundo enfrentam algum nível de insegurança alimentar, e quase um bilhão estão subnutridas. Nesse cenário, os alimentos de origem animal (AOA) – como carne, leite, ovos e peixes – desempenham papel essencial. Eles são fontes ricas em nutrientes de alta biodisponibilidade, como ferro, zinco, vitamina B12, cálcio e proteínas de qualidade superior, sendo vitais para o crescimento, o desenvolvimento cognitivo e a saúde ao longo da vida.

O estudo destaca que movimentos e políticas contrárias à pecuária têm avançado em países de alta renda, onde são propostas medidas como aumento de impostos sobre carnes, restrições em programas de assistência alimentar (como o SNAP, nos EUA), campanhas de desestímulo ao consumo, e até a retirada de carnes de cardápios institucionais. Embora essas ações sejam promovidas sob o argumento de proteger o meio ambiente ou melhorar a saúde pública, seus impactos socioeconômicos e nutricionais são frequentemente negligenciados.

Os mais prejudicados por essas medidas seriam justamente os grupos já em situação de vulnerabilidade: crianças pequenas, adolescentes, gestantes, lactantes e idosos. Durante a gravidez e lactação, por exemplo, o organismo exige maior aporte de ferro, cálcio e colina, nutrientes abundantemente presentes nos AOA. Em crianças, esses alimentos contribuem de forma decisiva para o crescimento físico e o desenvolvimento cerebral. Já em idosos, ajudam a manter a massa muscular, prevenir fraturas e preservar a função cognitiva.

O estudo também revela disparidades globais no acesso aos AOA. Em regiões como a África Subsaariana, esses alimentos representam apenas 5% a 10% das calorias consumidas, comparados a 30% em países desenvolvidos. Em crianças de 6 a 23 meses nos países de baixa e média renda, a ingestão de carnes varia entre 25% e 39%, dependendo da renda familiar. Essa desigualdade torna ainda mais crítica qualquer política que, direta ou indiretamente, torne os AOA menos acessíveis.

Um dos pontos mais alarmantes abordados no artigo é a estimativa dos impactos econômicos e sociais de impostos sobre carne. Um aumento de 20% no preço da carne, por exemplo, pode levar até 519 mil pessoas à insegurança alimentar apenas nos Estados Unidos. No caso de um imposto de 111% sobre carne processada, como já foi sugerido por alguns formuladores de políticas, o número pode saltar para quase 3 milhões de novos inseguros alimentares.

Além disso, o estudo analisa o papel do SNAP (Programa de Assistência Nutricional Suplementar), que beneficia milhões de famílias americanas. A restrição do uso desses benefícios para a compra de carnes teria efeitos profundos: aumento de preços, redução de participação no programa por causa da perda de autonomia dos beneficiários, e maior insegurança alimentar.

A produção animal também é crucial para a economia de diversos países. Nos EUA, por exemplo, a indústria de carne e aves movimenta cerca de US$ 230 bilhões ao ano e emprega meio milhão de pessoas diretamente. Reduzir drasticamente essa cadeia produtiva sem alternativas viáveis afetaria não apenas a segurança alimentar, mas a geração de empregos e o crescimento econômico.
A conclusão do artigo é clara: é necessário debater transformações sustentáveis na pecuária, mas medidas radicais e mal fundamentadas podem causar mais danos do que benefícios. A restrição aos AOA não deve ser imposta de maneira indiscriminada, especialmente sem considerar o impacto direto sobre bilhões de pessoas em situação de insegurança alimentar. A proteção ao meio ambiente deve caminhar lado a lado com a proteção à dignidade humana e ao direito de acesso a uma nutrição adequada.

Fonte: https://doi.org/10.1093/af/vfae030

Nenhum comentário:

Tecnologia do Blogger.