Durante muito tempo, a carne vermelha foi envolvida em debates sobre seu papel em condições inflamatórias, como a artrite reumatoide (AR). Muitos pacientes relatam melhora nos sintomas ao restringir seu consumo, mesmo que faltassem evidências científicas sólidas para sustentar essa prática. Diante disso, pesquisadores suecos decidiram investigar se uma refeição contendo carne vermelha provocaria respostas inflamatórias ou alterações metabólicas distintas em mulheres com AR, comparadas a mulheres saudáveis da mesma faixa etária e índice de massa corporal.
O estudo, realizado no contexto do ensaio clínico PIRA (Postprandial Inflammation in Rheumatoid Arthritis), contou com a participação de 44 mulheres — 22 com AR e 22 sem a doença. Todas consumiram uma refeição composta por hambúrgueres feitos de carne bovina e suína, pão branco, vegetais e molho vegetal, totalizando cerca de 700 kcal. As participantes foram monitoradas por cinco horas após a refeição, com coleta de sangue para análise de biomarcadores inflamatórios e lipídicos.
Inflamação: estabilidade e equilíbrio mesmo após a refeição
Um dos principais achados do estudo foi a estabilidade na resposta inflamatória entre os grupos. Ambas as populações apresentaram aumento nas concentrações de interleucina-6 (IL-6) após a refeição, o que é esperado em qualquer resposta fisiológica pós-prandial. Contudo, esse aumento foi semelhante entre mulheres com AR e sem a condição, sugerindo que a presença da doença, quando bem controlada, não altera negativamente a resposta imunológica a esse tipo de refeição.
Além disso, os níveis basais de IL-6 estavam igualmente baixos nos dois grupos, o que pode ser interpretado como um indicativo de equilíbrio imunológico. Isso é particularmente relevante, pois mostra que mulheres com AR em remissão ou com baixa atividade da doença podem desfrutar de refeições com carne vermelha sem receio de desencadear uma resposta inflamatória exagerada.
Metabolismo lipídico saudável após o consumo de carne vermelha
Outro resultado que chama atenção é a semelhança na resposta lipêmica entre os grupos. Os níveis de triglicerídeos e de partículas de VLDL aumentaram de forma semelhante em ambos os grupos após a refeição, o que é esperado e perfeitamente normal no contexto pós-prandial. Isso demonstra que o metabolismo lipídico das mulheres com AR funciona de maneira eficaz e comparável ao de mulheres sem a doença.
Mais ainda, o estudo observou que as mulheres com AR apresentaram uma resposta menos pronunciada no colesterol transportado pelas partículas de VLDL e na subfração mais densa dessas partículas. Essa observação sugere que, em algumas medidas, o perfil lipídico pós-prandial pode até ser mais equilibrado nas mulheres com AR, um dado que desafia a noção de que essa condição necessariamente implica maior risco metabólico após as refeições.
Importante destacar que não houve qualquer associação entre os níveis de triglicerídeos e IL-6, nem em jejum, nem após a refeição. Isso reforça a ideia de que o consumo de alimentos ricos em gordura não desencadeia respostas inflamatórias prejudiciais em mulheres com AR que estão em bom controle clínico.
Evidências que reforçam a liberdade alimentar com responsabilidade
O estudo também evidenciou o papel do cuidado clínico adequado. A maioria das mulheres com AR estava em remissão, com tratamento estabilizado, demonstrando que o equilíbrio inflamatório pode ser atingido mesmo em pessoas com doenças autoimunes. O fato de essas mulheres responderem de forma tão semelhante às mulheres saudáveis ao desafio alimentar é uma excelente notícia, pois mostra que o corpo pode manter sua eficiência metabólica mesmo em contextos clínicos desafiadores.
Conclusão: carne vermelha deve fazer parte de uma dieta nutritiva
Os resultados deste estudo trazem uma mensagem importante: mulheres com artrite reumatoide, sob bom controle da doença, podem consumir carne vermelha como parte de uma alimentação nutritiva, sem medo de reações inflamatórias ou alterações indesejadas no metabolismo lipídico após as refeições. O estudo reforça que o foco deve estar na qualidade geral da alimentação, no acompanhamento médico e no estilo de vida saudável — e não na exclusão de alimentos específicos baseando-se apenas em suposições.
Em um cenário onde o discurso nutricional muitas vezes é pautado por medo e proibições, essa pesquisa oferece uma visão realista, embasada e libertadora: a carne vermelha, quando consumida com moderação e dentro de um contexto de saúde bem gerida, pode sim fazer parte da rotina alimentar, mesmo para quem vive com artrite reumatoide.
Fonte: https://doi.org/10.1186/s40795-025-01055-9