Remissão de TOC e colite ulcerosa com dieta cetogênica: relato de caso


No mundo da medicina psiquiátrica, é raro encontrar uma única intervenção capaz de impactar positivamente condições crônicas distintas, especialmente quando envolvem tanto o cérebro quanto o intestino. No entanto, um estudo de caso recém-publicado apresentou uma transformação surpreendente: uma mulher de 37 anos com Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC) e colite ulcerativa (UC) obteve remissão completa de ambos os quadros após adotar uma dieta cetogênica personalizada ao longo de 12 semanas.


Uma história de desafios múltiplos

A paciente, com histórico de TOC desde os 10 anos de idade, convivia também com depressão intermitente, ansiedade generalizada, distúrbios autoimunes (como Hashimoto e psoríase), obesidade e colite ulcerativa diagnosticada tardiamente após uma gestação. Apesar do uso de medicamentos como sertralina, bupropiona e mesalamina, e de diversas tentativas de dieta e terapia, seus sintomas persistiam. O TOC havia se intensificado após o parto, evoluindo para pensamentos obsessivos de causar mal ao filho — um subtipo particularmente angustiante da condição.

Do ponto de vista metabólico, ela apresentava adiposidade central, resistência à insulina e sinais de inflamação crônica, todos fatores que se entrelaçam com o eixo intestino-cérebro, recentemente associado à gênese de transtornos mentais como o TOC.


O protocolo cetogênico

A intervenção ocorreu em uma clínica especializada em psiquiatria metabólica. A dieta, chamada de terapia metabólica cetogênica (KMT), foi cuidadosamente planejada com proporção de 1.5:1 entre gordura e a soma de proteínas e carboidratos. A alimentação era baseada em comida de verdade, com 75% de gordura, 20% de proteína (animal), e menos de 5% de carboidratos. Foram eliminados açúcares, adoçantes artificiais, grãos, e óleos vegetais industrializados, com atenção à densidade nutricional e à individualização alimentar.

Monitoramento rigoroso com cetose capilar (BHB) e diários fotográficos permitiram avaliar a adesão e correlacionar níveis de cetose com a evolução clínica. Surpreendentemente, a remissão clínica da colite ulcerativa ocorreu em apenas três semanas. As evacuações, antes frequentes e sanguinolentas, tornaram-se normais. Pouco depois, a paciente relatou melhora significativa no foco, energia e humor.

A remissão do TOC foi ainda mais impressionante: dentro de nove semanas, todos os critérios clínicos de remissão foram atendidos (Y-BOCS = 0, CGI-S = 1). A depressão, medida pelo PHQ-9, também foi completamente revertida, caindo de 17 para 0. Esses resultados foram acompanhados de uma redução de 12,2% do peso corporal, queda significativa de gordura visceral e desaparecimento das lesões de psoríase.


Uma nova fronteira na psiquiatria

Esse caso sugere que a dieta cetogênica pode atuar como uma intervenção transdiagnóstica, agindo sobre múltiplos sistemas interligados: o eixo microbiota-intestino-cérebro, a barreira hematoencefálica, o sistema imune e a sinalização metabólica. A hipótese é que o KMT modulou a inflamação neuroglial e restaurou a integridade do trato gastrointestinal, quebrando um ciclo vicioso de inflamação bidirecional que exacerbava tanto o TOC quanto a colite.

Marcadores inflamatórios como o NLRP3 inflamasoma, citocinas como IL-1β e IL-18, e alterações na microbiota parecem ser modulados positivamente pela cetose nutricional. Além disso, os corpos cetônicos, como o beta-hidroxibutirato, demonstram inibir vias inflamatórias como o TLR4 e regular neurotransmissores como o glutamato — ambos implicados na fisiopatologia do TOC.


Limitações e implicações

Embora se trate de um relato de caso — com limitações inerentes como ausência de grupo controle, viés de seleção e falta de seguimento laboratorial completo —, os resultados são consistentes com a literatura emergente sobre os efeitos anti-inflamatórios e neuroprotetores da dieta cetogênica.

A paciente expressou surpresa pela facilidade de adesão ao plano alimentar e satisfação com os resultados físicos e emocionais. Recusou-se, no entanto, a realizar novos exames laboratoriais por limitações financeiras, o que impediu uma avaliação mais detalhada da remissão autoimune (como a tireoidite de Hashimoto).

Este caso fortalece a noção de que intervenções dietéticas bem direcionadas podem atuar como ferramentas poderosas na remissão de condições psiquiátricas e autoimunes, quando aplicadas com precisão clínica, suporte multidisciplinar e foco na individualização.

Com o avanço da psiquiatria metabólica, mais estudos clínicos são necessários para confirmar esses achados e ampliar as possibilidades terapêuticas em um campo tradicionalmente dominado por psicofármacos e psicoterapia.

Fonte: https://doi.org/10.3389/fpsyt.2025.1541414

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