No mundo esportivo, atletas frequentemente passam por períodos de ingestão calórica reduzida ou treinos intensos sem a devida compensação alimentar. Essas variações afetam a chamada "disponibilidade energética" (energy availability EA), que é a energia restante, após descontar o gasto com exercícios, para manter as funções fisiológicas. Tradicionalmente, considerava-se que níveis abaixo de 30 kcal por quilo de massa livre de gordura por dia poderiam trazer prejuízos à saúde e ao desempenho, porém, essa noção surgiu a partir de estudos com mulheres sedentárias, e sua aplicabilidade para atletas ainda é motivo de debate.
Com isso em mente, um grupo de pesquisadores liderado por Ella Smith e Louise Burke conduziu um experimento controlado com 20 atletas de resistência, sendo metade homens e metade mulheres usuárias de anticoncepcional oral, para verificar o que acontece no corpo após 24 horas de baixa (LEA), alta (HEA) ou muito alta (GEA) disponibilidade energética, obtidas tanto pela redução da ingestão quanto pelo aumento do gasto energético com exercícios.
O desenho do estudo
O experimento foi cuidadosamente estruturado com cinco condições distintas de EA, variando entre 15 e 75 kcal/kg de massa livre de gordura por dia. Essas condições foram atingidas de duas maneiras: por restrição alimentar ou por aumento do gasto com exercícios (ciclismo). Após 24 horas de exposição à condição, os atletas foram avaliados em uma série de testes físicos, metabólicos e cognitivos.
Oxidação de gordura: o papel do exercício
O principal achado foi que o maior pico de oxidação de gordura ocorreu na condição de LEA induzida por exercício. Esse resultado se alinha com a ideia de que treinos em situações de baixa disponibilidade de carboidratos promovem o uso preferencial de gordura como fonte de energia. Curiosamente, essa mudança foi mais significativa do que aquela observada quando a baixa EA foi alcançada apenas por restrição calórica, sugerindo que o exercício exerce um papel mais potente nesse aspecto, mesmo com EA igual.
Apesar disso, não houve mudança no ponto em que ocorre a máxima oxidação de gordura (conhecido como FATMAX), nem diferença significativa entre os sexos nesses parâmetros, contrariando a hipótese de que mulheres teriam maior resposta adaptativa.
Metabolismo pós-prandial: respostas de glicose e insulina
Após o consumo de uma refeição rica em carboidratos, os níveis de glicose e insulina foram mais elevados na condição de LEA via dieta (sem exercício), em comparação com outras condições. Isso sugere que o corpo pode reagir com maior sensibilidade após um curto período de restrição calórica severa, apresentando uma resposta amplificada à refeição subsequente.
Em contraste, os atletas que realizaram exercícios nas 24 horas anteriores apresentaram menores níveis de insulina após a refeição, o que pode indicar maior sensibilidade à insulina — um efeito esperado após atividade física.
Desempenho físico e cognitivo: estabilidade surpreendente
De forma intrigante, os testes de desempenho físico (como saltos, força isométrica e o teste de Wingate) e o teste cognitivo (Stroop) não mostraram prejuízos significativos após 24 horas de baixa disponibilidade energética, independentemente do método utilizado (dieta ou exercício). A única exceção foi uma ligeira piora na altura do salto agachado durante a condição de GEA, que os autores atribuíram ao leve aumento de peso corporal decorrente da ingestão energética mais alta.
Isso é especialmente relevante para atletas que, por razões estratégicas, recorrem a períodos curtos de restrição energética — como em fases pré-competitivas para perda de peso. Os dados indicam que um dia de LEA, mesmo severo, não compromete significativamente a força, potência ou função cognitiva em atletas treinados.
Diferenças entre os sexos: um resultado inesperado
Embora haja literatura sugerindo que mulheres seriam mais sensíveis aos efeitos negativos da LEA, especialmente em relação a hormônios e metabolismo ósseo, este estudo não encontrou diferenças significativas entre homens e mulheres nos testes realizados. Isso pode ser parcialmente explicado pelo uso de anticoncepcional oral entre as participantes, que estabiliza os níveis hormonais, e pela curta duração da intervenção.
Conclusões e implicações práticas
Este estudo inovador mostra que uma única intervenção de 24 horas com baixa disponibilidade energética — seja por dieta ou exercício — pode alterar a preferência do corpo por substratos energéticos, favorecendo a oxidação de gordura. Entretanto, não houve prejuízos imediatos em desempenho físico ou cognitivo.
Esses achados trazem implicações práticas valiosas: estratégias de curto prazo para manipulação de peso corporal ou composição corporal podem ser viáveis em atletas, desde que bem planejadas e acompanhadas por profissionais. Contudo, os autores alertam que os efeitos de intervenções mais longas ou repetidas ainda precisam ser mais bem compreendidos, principalmente em relação à saúde metabólica, hormonal e óssea.
O estudo também reforça a importância de se considerar não apenas a quantidade total de energia, mas o método de obtenção da EA (dieta versus exercício), já que isso pode influenciar diferentes aspectos fisiológicos, como a oxidação de substratos e a resposta à alimentação.
Para atletas, treinadores e profissionais de saúde, a mensagem é clara: estratégias de manipulação de energia devem ser personalizadas, considerando a duração, o tipo de exercício, o estado nutricional prévio e o objetivo final da intervenção.
Fonte: https://doi.org/10.1249/MSS.0000000000003608