Dietas cetogênicas e β-hidroxibutirato na prevenção e tratamento da doença renal diabética: progresso atual e perspectivas futuras


Nos últimos anos, a abordagem nutricional baseada em dietas cetogênicas (KD) ganhou destaque não apenas entre entusiastas da perda de peso, mas também no campo da pesquisa clínica voltada para doenças metabólicas complexas, como a doença renal diabética (DKD). Esta condição, uma das complicações microvasculares mais graves do diabetes, está associada à perda progressiva da função renal e representa a principal causa de doença renal em estágio terminal em todo o mundo.

As KD são regimes alimentares com alta proporção de gordura, consumo moderado de proteína e baixa ingestão de carboidratos. A principal consequência metabólica desse padrão é a produção de corpos cetônicos, em especial o β-hidroxibutirato (BHB), utilizado como fonte alternativa de energia quando a glicose se torna escassa. O BHB, no entanto, não atua apenas como combustível. Estudos recentes revelaram seu papel em processos celulares profundos, como modulação epigenética, sinalização inflamatória, estresse oxidativo e até mesmo na regulação da autofagia — um mecanismo essencial de renovação celular.

Ao considerar a DKD, pesquisadores identificaram múltiplos benefícios da cetose nutricional induzida por KD ou pela suplementação com BHB. Dentre os principais efeitos observados estão:


1. Melhora do metabolismo da glicose e lipídios

O consumo de KD demonstrou melhorar significativamente a sensibilidade à insulina e reduzir níveis de glicose e hemoglobina glicada (HbA1c) em modelos animais e humanos com diabetes tipo 2. O BHB participa ativamente dessa regulação ao reduzir a inflamação e favorecer a expressão de genes antioxidantes como SOD e catalase.


2. Redução de peso corporal

A obesidade é um fator de risco independente para a DKD. A perda de peso induzida pela KD contribui para a melhora de parâmetros metabólicos e redução da progressão da doença renal. Ensaios clínicos mostraram que pacientes com DKD que seguiram uma KD apresentaram redução da creatinina sérica, albuminúria e melhor função renal estimada.


3. Redução do estresse oxidativo e inflamação

A produção exagerada de espécies reativas de oxigênio (ROS) contribui para a lesão renal em diabéticos. O BHB, além de ser uma fonte de energia limpa, induz enzimas antioxidantes e inibe vias inflamatórias como a NLRP3, com potencial de mitigar a progressão da fibrose renal.


4. Regulação epigenética e autofagia

A ação do BHB como modulador epigenético envolve a inibição de desacetilases de histonas, resultando na ativação de genes que promovem a resistência ao estresse e a longevidade celular. O BHB também estimula a autofagia — mecanismo essencial para a limpeza de estruturas celulares danificadas, especialmente em tecidos como os rins.


5. Ativação da SIRT1

A proteína SIRT1 é conhecida por seu papel na regulação do metabolismo energético, inflamação e envelhecimento celular. A KD e o BHB parecem estimular sua atividade, o que poderia contribuir para uma resposta insulínica mais eficiente e maior proteção tecidual.

No entanto, esses benefícios não são isentos de riscos. A Figura 1 na página 3 do artigo apresenta um panorama visual dos efeitos positivos e adversos das KD em relação à DKD. Entre os efeitos colaterais observados, destacam-se desconfortos gastrointestinais, hiperlipidemia transitória, risco de formação de cálculos renais e, em alguns casos, osteoporose. Há também o risco de cetose excessiva levar à cetoacidose, especialmente em pacientes com diabetes tipo 1 ou quando a dieta é combinada com inibidores de SGLT2.

Além disso, estudos in vitro demonstraram que concentrações elevadas de BHB podem estimular a via TGF-β/Smad3, promovendo a produção de colágeno e potencialmente agravando a fibrose renal — um efeito paradoxal que depende da dose e do contexto fisiológico.


Considerações finais

A revisão publicada na BMC Nephrology conclui que, embora a cetogênese e o BHB apresentem mecanismos promissores para frear a progressão da DKD, ainda há necessidade de mais estudos clínicos bem controlados para estabelecer protocolos seguros, especialmente em pacientes com função renal comprometida. A manutenção de níveis moderados de BHB (entre 0,12 e 0,30 mmol/L) parece ser a zona de maior benefício com menor risco.

Em última análise, o BHB se revela mais do que um simples subproduto metabólico — é uma molécula de sinalização com capacidade de remodelar a fisiologia celular de forma profunda. Seu papel na nefroproteção pode inaugurar uma nova era de terapias metabólicas baseadas em nutrição personalizada.

Fonte: https://doi.org/10.1186/s12882-025-04019-0

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