No universo da cardiologia preventiva, a enzima Paraoxonase 1 (PON1) tem ganhado notoriedade como um potente agente contra a aterosclerose, uma das principais causas de doenças cardiovasculares. Embora esse nome seja pouco familiar ao público leigo, suas implicações são profundas — e podem nos levar a refletir sobre como escolhas alimentares, como uma dieta baseada predominantemente em alimentos de origem animal, podem influenciar positivamente nossa saúde cardiovascular.
A PON1 é uma enzima associada às lipoproteínas de alta densidade (HDL), tradicionalmente vistas como protetoras do coração. No entanto, o estudo recente publicado na Frontiers in Cardiovascular Medicine esclarece que o papel protetor do HDL não está tanto no transporte reverso de colesterol, como antes se acreditava, mas sim na sua capacidade antioxidante, atribuída especialmente à ação da PON1. Essa enzima age prevenindo a oxidação das lipoproteínas de baixa densidade (LDL), processo crucial no desenvolvimento da placa aterosclerótica que pode levar ao infarto ou AVC.
A atividade da PON1, porém, é altamente sensível ao estado metabólico do organismo. Em pessoas com diabetes, dislipidemia ou em condições inflamatórias crônicas, sua atividade é significativamente reduzida. O mesmo ocorre com dietas ricas em carboidratos refinados e gorduras oxidadas — elementos abundantes na dieta ocidental moderna. Aqui entra o papel da dieta carnívora: ao eliminar alimentos ultraprocessados, açúcares e óleos vegetais ricos em ácidos graxos poli-insaturados oxidados, esse padrão alimentar pode oferecer um ambiente metabólico mais favorável para a manutenção da atividade da PON1.
Alimentos de origem animal fornecem nutrientes essenciais como vitamina B12, colina, ferro heme e zinco, que participam de vias metabólicas anti-inflamatórias e antioxidantes. Além disso, carnes e vísceras são pobres em açúcares e possuem teores reduzidos de componentes que promovem a glicação de proteínas, um processo que prejudica a estrutura de lipoproteínas como a LDL e que é associado ao agravamento da aterosclerose. O estudo mostra que a LDL glicada é ainda mais suscetível à oxidação, e HDL com baixa atividade de PON1 não consegue protegê-la adequadamente.
Outro ponto destacado na pesquisa é que a presença de ácidos graxos poli-insaturados oxidados, comuns em óleos vegetais processados, inibe a função antioxidante da PON1. A dieta carnívora, por ser baseada em carnes e gorduras saturadas naturais, tende a reduzir a ingestão desses óleos, minimizando a oxidação lipídica e, consequentemente, protegendo a integridade da LDL e reduzindo o risco de formação de placas ateroscleróticas.
Modelos animais reforçam esses achados: roedores que expressam mais PON1 desenvolvem menos aterosclerose, enquanto aqueles com a expressão diminuída da enzima são mais suscetíveis à doença, mesmo sem predisposições genéticas adicionais. Esses efeitos são independentes dos níveis de colesterol — fato que reforça a importância da qualidade das lipoproteínas e não apenas de sua quantidade.
Ademais, a presença de proteínas inflamatórias, como a amiloide A do soro (SAA), que aumentam em estados inflamatórios crônicos e deslocam a PON1 da HDL, é reduzida em dietas anti-inflamatórias. A dieta carnívora, ao eliminar fontes alimentares conhecidamente pró-inflamatórias, pode preservar a integridade da HDL e sua capacidade antioxidante.
Em suma, este estudo revela que a atividade da PON1 — um dos mais promissores marcadores de proteção cardiovascular — está fortemente relacionada ao estado metabólico e inflamatório do corpo, ambos diretamente influenciados pela dieta. Embora ainda sejam necessários ensaios clínicos específicos sobre a dieta carnívora, os mecanismos descritos oferecem bases sólidas para considerar que um padrão alimentar baseado em alimentos de origem animal, naturais e minimamente processados, pode ser uma estratégia eficaz para preservar a atividade da PON1 e, assim, proteger contra doenças cardíacas.