Associação entre dieta cetogênica e depressão: análise transversal dos dados do NHANES 2005–2023
A depressão, considerada uma das principais causas de incapacidade no mundo, tem levado pesquisadores a investigar fatores que possam influenciar seu desenvolvimento ou alívio. Entre os aspectos explorados, a alimentação tem ganhado destaque, com dietas específicas sendo analisadas por seus possíveis efeitos sobre o humor. Neste contexto, um novo estudo publicado no Journal of Affective Disorders buscou compreender a relação entre a dieta cetogênica e os sintomas depressivos, utilizando dados do prestigiado banco NHANES, abrangendo os anos de 2005 a agosto de 2023.
A lógica biológica por trás da hipótese
A dieta cetogênica (DC) é caracterizada por um consumo muito baixo de carboidratos, consumo moderado de proteínas e alto de gorduras, levando o organismo a produzir corpos cetônicos — como o β-hidroxibutirato — que servem como fonte alternativa de energia para o cérebro. Pesquisas anteriores sugerem que esses corpos cetônicos possuem propriedades neuroprotetoras e anti-inflamatórias, além de influenciarem a regulação dos neurotransmissores, especialmente glutamato e GABA, que desempenham papéis centrais na neurobiologia da depressão.
Metodologia do estudo
Utilizando uma amostra final de 28.995 indivíduos, os pesquisadores calcularam um índice chamado Ketogenic Diet Ratio (KDR), que reflete a proporção entre macronutrientes em uma alimentação próxima ao padrão cetogênico. Os sintomas depressivos foram avaliados por meio do questionário PHQ-9, sendo considerados clinicamente relevantes os escores iguais ou superiores a 10. Os participantes foram classificados em quatro grupos (quartis) com base no KDR.
Além de uma análise estatística multivariada, os autores aplicaram modelos não lineares e segmentaram a população em subgrupos de acordo com idade, sexo, índice de massa corporal (IMC), renda, entre outros fatores.
Principais resultados
Os dados revelaram uma associação significativa entre níveis mais elevados de KDR e menor risco de depressão. Essa relação foi especialmente notável abaixo do ponto de corte de KDR = 0,35, onde o risco de depressão era drasticamente menor. Quando o KDR ultrapassava esse valor, o efeito protetor ainda existia, mas se tornava estatisticamente menos relevante.
A associação inversa entre KDR e depressão foi mais pronunciada em subgrupos específicos, como mulheres com mais de 40 anos, pessoas com IMC elevado (>28), baixa renda familiar e padrão de sono entre 6 e 10 horas. Além disso, verificou-se que KDR mais alto também estava relacionado a menor gravidade dos sintomas depressivos.
Explicações neurofisiológicas
Os autores discutem os possíveis mecanismos biológicos por trás dos achados. Um dos principais é a redução da excitotoxicidade induzida por glutamato — um neurotransmissor em excesso nos cérebros de pacientes deprimidos — e o aumento da atividade do GABA, neurotransmissor com efeito inibitório e calmante. A dieta cetogênica, ao alterar o metabolismo cerebral, pode reequilibrar essa dinâmica, além de reduzir a inflamação sistêmica e modular positivamente a microbiota intestinal, outro fator envolvido na saúde mental.
Considerações e limitações
Apesar dos resultados promissores, o estudo tem limitações. Os dados alimentares são baseados em relatos dos participantes, o que pode gerar imprecisões. Além disso, por se tratar de um estudo transversal, não é possível estabelecer relação de causa e efeito entre a dieta e a depressão. Também se ressalta que o diagnóstico de depressão foi presumido com base no PHQ-9 e não confirmado clinicamente.
Mesmo assim, os achados apontam para um novo campo de pesquisa no tratamento não farmacológico da depressão, especialmente em populações vulneráveis ou resistentes a medicamentos.
Conclusão
Este estudo amplia a compreensão sobre o potencial papel terapêutico da dieta cetogênica em transtornos do humor. Os resultados sugerem que uma maior aderência ao padrão cetogênico está associada a menor risco e gravidade de sintomas depressivos, especialmente em grupos específicos como mulheres de meia-idade com obesidade e baixa renda. Mais estudos, especialmente ensaios clínicos randomizados, são necessários para validar esses achados e explorar suas implicações clínicas em maior profundidade.
Fonte: https://doi.org/10.1016/j.jad.2025.04.035
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