Com o crescente apelo por dietas baseadas em plantas, especialmente entre jovens e populações urbanas, surge uma narrativa dominante de que escolhas alimentares vegetarianas e veganas seriam, por definição, mais saudáveis. Contudo, o estudo NuEva — uma investigação rigorosa conduzida na Alemanha — desafia essa noção ao expor deficiências bioquímicas silenciosas, porém clinicamente relevantes, presentes nesses padrões alimentares.
O desequilíbrio no perfil de ácidos graxos
A principal crítica evidenciada pelo estudo recai sobre a profunda deficiência de ácidos graxos poli-insaturados de cadeia longa ômega-3, como EPA (ácido eicosapentaenoico) e DHA (ácido docosahexaenoico). Esses nutrientes, tradicionalmente encontrados em peixes e frutos do mar, são quase ausentes em dietas veganas e muito limitados em dietas vegetarianas. Embora alimentos vegetais forneçam ALA (ácido alfa-linolênico), o corpo humano tem uma capacidade extremamente limitada de convertê-lo em EPA e DHA — processo que depende de cofatores e enzimas cuja atividade pode ser suprimida por altos níveis de ômega-6.
Essa deficiência se manifesta de forma objetiva no chamado índice ômega-3, um marcador clínico de risco cardiovascular. O estudo revelou que veganos e vegetarianos possuem os níveis mais baixos desse índice, o que os coloca em uma zona de maior vulnerabilidade para doenças cardíacas, distúrbios inflamatórios e neurodegenerativos.
Excesso de ômega-6 e potencial inflamatório
Outro achado preocupante foi o excesso de ácido linoleico, um ômega-6 presente em óleos vegetais como soja, milho e girassol — amplamente utilizados em dietas vegetarianas e veganas. O alto consumo de ômega-6, sem uma compensação proporcional de ômega-3, pode levar a um ambiente metabólico pró-inflamatório, pois favorece a síntese de eicosanoides inflamatórios, como prostaglandinas e leucotrienos.
Esse desequilíbrio não apenas inibe a conversão de ALA em EPA/DHA, como também pode amplificar processos crônicos inflamatórios associados a doenças autoimunes, obesidade e até certos tipos de câncer.
Fragilidade estrutural da membrana celular
A composição dos fosfolipídios da membrana das hemácias também foi analisada, e os dados mostraram que vegans apresentaram menor incorporação de DHA nas membranas celulares. Isso compromete a fluidez da membrana e, por consequência, afeta funções celulares essenciais como a sinalização neural e o transporte de nutrientes. Essa alteração é particularmente relevante em contextos como a gestação e o desenvolvimento neurológico infantil, nos quais a demanda por DHA é crítica.
Ausência de fontes naturais de EPA/DHA
Diferente dos flexitarianos, que ainda consomem pequenas quantidades de peixes e ovos, os veganos apresentam um vácuo completo de fontes naturais de EPA e DHA. Suplementos com óleo de algas são uma possível alternativa, mas o estudo aponta que, na prática, a maioria dos participantes veganos não fazia suplementação, o que agrava ainda mais a situação.
Além disso, mesmo entre vegetarianos, os níveis de DHA permaneceram baixos, evidenciando que o consumo de ovos ou laticínios não é suficiente para suprir adequadamente a necessidade desses ácidos graxos.
Implicações clínicas
Os dados do NuEva sugerem que a adoção de uma dieta vegana sem o devido planejamento pode representar um risco silencioso e cumulativo à saúde, particularmente em aspectos relacionados à função cardiovascular, imunológica e cognitiva. Crianças criadas com esse padrão alimentar, mulheres grávidas e idosos estão especialmente vulneráveis, dado que suas exigências nutricionais são aumentadas e os efeitos de longo prazo são mais significativos.
Considerações finais
Embora dietas vegetarianas e veganas apresentem benefícios claros na redução de gorduras saturadas e eliminação de produtos ultraprocessados de origem animal, o preço metabólico dessa escolha alimentar pode ser alto se não houver suplementação adequada e vigilância clínica.
O estudo NuEva não condena essas dietas, mas alerta de forma inequívoca que elas não são intrinsecamente superiores e que, em muitos casos, podem comprometer o equilíbrio lipídico de maneira sutil, porém persistente. Em uma era onde escolhas alimentares são cada vez mais guiadas por ideologias, ética e meio ambiente, a ciência segue tendo o papel vital de lembrar que nem todo vegetal é sinônimo de saúde, e nem toda gordura animal é vilã.
Fonte: https://doi.org/10.1186/s12944-025-02517-6