Alterações nos citocinas plasmáticos após 60 horas de jejum não são influenciadas pela adição de exercício, apesar do aumento nos corpos cetônicos


Compreender como o jejum afeta o sistema imunológico e o metabolismo tem sido um campo crescente de interesse científico, especialmente diante da popularização do jejum intermitente como ferramenta para promoção da saúde. Um estudo recente publicado na revista Physiological Reports oferece uma contribuição relevante nesse cenário, investigando como um jejum prolongado de 60 horas, com ou sem exercício físico, afeta marcadores inflamatórios em adultos jovens saudáveis.

O estudo contou com 15 participantes (homens e mulheres, com média de 26 anos), submetidos a duas condições experimentais distintas em um desenho cruzado: jejum de 60 horas isoladamente (FAST) e jejum com adição de uma sessão única de 3 horas de exercício aeróbico após as primeiras 12 horas de jejum (FEX). Foram avaliadas variáveis metabólicas (como glicose, insulina e corpos cetônicos), bem como citocinas inflamatórias (IL-6, IL-10 e TNF-α) e parâmetros hematológicos.

Metabolismo: quando o corpo muda de combustível

Ambas as condições induziram uma redução na glicose plasmática e na insulina, além de um aumento expressivo no β-hidroxibutirato (BHB), um corpo cetônico produzido pelo fígado. A adição de exercício acelerou essa transição, com maior elevação de BHB e queda de glicose já nas primeiras 36 horas. A taxa metabólica em repouso também aumentou após 60 horas de jejum, sugerindo uma ativação compensatória do sistema nervoso simpático.

Essas mudanças refletem um processo conhecido como “mudança metabólica”, no qual o organismo passa a priorizar a oxidação de gordura como fonte de energia, abandonando a glicose como combustível primário. É um mecanismo natural de adaptação à escassez calórica.

Citocinas: jejum e inflamação

O principal foco do estudo, porém, estava nas citocinas—proteínas que mediam a comunicação entre células do sistema imunológico. Após o jejum de 60 horas, observou-se uma redução significativa na concentração de TNF-α, uma citocina classicamente envolvida em processos inflamatórios crônicos. Simultaneamente, houve um aumento nos níveis de IL-10, que desempenha função anti-inflamatória, inibindo a síntese de citocinas pró-inflamatórias e a proliferação de linfócitos T.

Curiosamente, a elevação de IL-10 foi mais evidente na condição com exercício, embora o exercício, por si só, não tenha amplificado os efeitos do jejum sobre outros marcadores inflamatórios. A IL-6, tradicionalmente vista como inflamatória, apresentou tendência de aumento, mas sem significância estatística. No entanto, como a IL-6 também pode atuar como sinalizadora anti-inflamatória quando secretada pelo músculo esquelético durante o exercício, seu papel precisa ser interpretado dentro desse contexto específico.

Sistema imunológico preservado

Apesar das alterações em citocinas, o número total de leucócitos permaneceu estável nas duas condições, sugerindo que o jejum não comprometeu a função imunológica global. Houve variações discretas em algumas subpopulações celulares: neutrófilos aumentaram, enquanto linfócitos e eosinófilos diminuíram, especialmente na condição com exercício. Essas mudanças podem ser reflexo da ação de hormônios do estresse, como o cortisol, ativados tanto pelo jejum quanto pela atividade física prolongada.

Por que isso importa?

Os resultados reforçam a hipótese de que o jejum prolongado pode induzir um perfil anti-inflamatório no organismo, mesmo sem causar efeitos negativos sobre a imunidade. Isso é particularmente interessante quando se considera o papel central da inflamação crônica em doenças como obesidade, diabetes tipo 2 e doenças cardiovasculares. A redução de TNF-α, por exemplo, pode representar um efeito benéfico ao modular a inflamação de baixo grau que acompanha esses quadros clínicos.

A adição de exercício durante o jejum não trouxe benefícios adicionais sobre os marcadores inflamatórios, mas acelerou mudanças metabólicas importantes, como a cetogênese. Isso pode ser relevante para estratégias que visam aumentar a produção de corpos cetônicos endógenos, os quais têm sido associados a efeitos neuroprotetores e anti-inflamatórios.

Limitações e perspectivas futuras

O estudo possui limitações, como o fato de ter sido realizado com um grupo pequeno e saudável, o que restringe sua aplicabilidade a populações com doenças crônicas. Também não foram avaliadas as consequências do período de realimentação após o jejum, o que poderia modificar substancialmente a resposta inflamatória.

Ainda assim, os achados oferecem uma base promissora para futuras investigações sobre os efeitos imunometabólicos do jejum, isoladamente ou combinado com exercícios, especialmente em contextos clínicos. O jejum pode não ser apenas uma estratégia para perda de peso, mas um possível modulador da inflamação sistêmica—um fator-chave na promoção de saúde e prevenção de doenças.

Fonte: https://doi.org/10.14814/phy2.70294

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