Alimentação durante o dia reduz riscos cardiovasculares mesmo em situações de trabalho noturno


A vida moderna impôs ao corpo humano uma série de desafios nunca antes experimentados ao longo da evolução. Um dos mais notáveis é o trabalho em turnos, especialmente o noturno, que afeta milhões de pessoas em todo o mundo. Sabe-se que essa condição está associada a um maior risco de doenças cardiovasculares. No entanto, uma nova evidência empolgante sugere que algo tão simples quanto ajustar o horário das refeições pode proteger o coração, mesmo quando o sono está desalinhado com o ciclo natural do dia e da noite.

Um estudo publicado na Nature Communications apresentou resultados de uma análise secundária de um ensaio clínico randomizado conduzido com 20 voluntários saudáveis que não eram trabalhadores noturnos. Os participantes foram submetidos a um protocolo laboratorial rigoroso que simulava uma rotina de trabalho noturno por meio de um modelo chamado "Forced Desynchrony", no qual o ciclo de sono e vigília foi ajustado para 28 horas ao longo de vários dias, criando um desalinhamento entre o relógio biológico interno e os comportamentos externos.

Esses participantes foram divididos em dois grupos: um deles manteve a alimentação durante o dia e a noite (grupo controle), como acontece com trabalhadores noturnos típicos; o outro grupo consumiu refeições apenas durante o dia, independentemente do horário em que dormiam ou estavam acordados (grupo intervenção).

Os pesquisadores investigaram diversos marcadores de risco cardiovascular, com foco especial na variabilidade da frequência cardíaca (HRV), um indicativo da modulação parassimpática cardíaca, e nos níveis de PAI-1, uma proteína pró-trombótica regulada pelo ritmo circadiano. Os resultados foram surpreendentes.

No grupo que se alimentou durante o dia e a noite, houve piora significativa em todos os principais indicadores cardiovasculares após a simulação do trabalho noturno. A HRV diminuiu de forma considerável, sugerindo uma redução da atividade parassimpática protetora ao coração. Além disso, os níveis de PAI-1 aumentaram quase 24%, indicando um estado mais propenso à formação de coágulos, o que eleva o risco de eventos cardíacos.

Por outro lado, os participantes que comeram somente durante o dia não apresentaram alterações significativas nesses mesmos marcadores. A manutenção de um ciclo alimentar diurno foi suficiente para preservar a função cardiovascular, mesmo diante da desorganização do sono e da vigília. Além disso, esse grupo teve uma redução de 6 a 8% na pressão arterial sistólica e diastólica, efeito não observado no grupo controle.

Embora nem a frequência cardíaca nem os níveis de cortisol tenham sido afetados pelo horário das refeições, os resultados globais reforçam a noção de que o horário em que comemos é um determinante crucial da saúde metabólica e cardiovascular. Esses efeitos foram observados mesmo quando a quantidade e a composição dos alimentos, o padrão de sono, o ambiente e outros comportamentos foram rigorosamente controlados — indicando que o fator isolado do timing das refeições exerce um impacto independente.

A importância dos resultados vai além da fisiologia. Estudos anteriores já associaram a alimentação noturna com aumento no risco de doenças cardíacas, especialmente em trabalhadores de turnos. No entanto, este ensaio controlado oferece um grau de evidência mais robusto, e aponta para uma estratégia comportamental prática: evitar refeições à noite pode ajudar a mitigar os efeitos negativos do trabalho em turnos sobre o sistema cardiovascular.

Ainda que os participantes não fossem trabalhadores noturnos reais, os autores destacam que estudos futuros devem incluir populações com rotinas reais de trabalho em turnos e faixas etárias mais amplas para ampliar a aplicabilidade dos resultados. A pesquisa também teve uma amostra pequena, uma limitação comum em estudos com protocolos laboratoriais altamente controlados.

Em meio a um cenário onde mudanças estruturais no modelo de trabalho parecem distantes, a descoberta de que algo tão acessível quanto o horário das refeições pode servir como contramedida às consequências do desalinhamento circadiano é promissora. Alinhar o momento das refeições com o ritmo natural do corpo, mesmo em contextos de sono noturno desajustado, pode ser uma ferramenta valiosa para preservar a saúde cardiovascular.

Fonte: https://doi.org/10.1038/s41467-025-57846-y

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