A mera presença do smartphone reduz a capacidade cognitiva disponível


Em um mundo cada vez mais conectado, os smartphones tornaram-se companheiros constantes de bilhões de pessoas. Eles oferecem acesso imediato a informações, entretenimento e conexões sociais, e estão sempre ao alcance das mãos. No entanto, um estudo conduzido por Adrian F. Ward e colaboradores propõe uma hipótese intrigante: mesmo quando não estão sendo usados, os smartphones podem drenar os recursos cognitivos das pessoas, prejudicando seu desempenho em tarefas que exigem atenção e raciocínio.

A pesquisa, publicada no Journal of the Association for Consumer Research, chama esse fenômeno de "brain drain", ou drenagem cerebral. A ideia central é que o simples fato de ter o próprio smartphone por perto — mesmo desligado e fora de vista — já consome parte da capacidade mental disponível, porque o cérebro precisa usar recursos para inibir a atenção automática que o aparelho atrai.



A hipótese do “brain drain”

A mente humana possui uma capacidade limitada de atenção. Quando uma tarefa exige concentração, o cérebro aloca recursos cognitivos para realizá-la. No entanto, certos estímulos no ambiente, como o som do próprio nome ou o choro de um bebê, ativam processos de atenção automática — sem que a pessoa precise pensar conscientemente sobre eles.

Os autores argumentam que o smartphone se tornou um desses estímulos altamente relevantes. De tão integrado à vida cotidiana, ele passou a ser percebido como constantemente importante. Isso faz com que, mesmo quando não está sendo usado, o aparelho ative circuitos cerebrais de atenção automática. Para que a pessoa consiga ignorar o smartphone e manter o foco em outra tarefa, o cérebro precisa despender recursos para inibir essa tendência — e é aí que ocorre a drenagem.


Os experimentos

Dois experimentos foram conduzidos para testar essa hipótese. Em ambos, participantes realizaram tarefas cognitivas enquanto seus celulares estavam em uma das três condições: sobre a mesa (alta saliência), no bolso ou bolsa (média saliência) ou em outra sala (baixa saliência).

Os resultados mostraram um padrão claro: quanto mais próximo o celular estava, pior era o desempenho dos participantes nas tarefas de memória operacional e inteligência fluida — dois indicadores amplamente usados para medir a capacidade cognitiva disponível. Curiosamente, os participantes não relatavam estar pensando em seus celulares, o que indica que o efeito era inconsciente.

No segundo experimento, os pesquisadores adicionaram uma nova variável: o grau de dependência do participante em relação ao celular. Aqueles que se consideravam mais dependentes apresentaram maior queda de desempenho quando seus celulares estavam por perto. Ou seja, quanto mais a pessoa sente que precisa do celular, mais a simples presença do aparelho interfere em sua capacidade de pensar.

Além disso, os pesquisadores testaram se desligar o celular ou colocá-lo com a tela virada para baixo faria diferença — e não fez. O fator decisivo foi a distância física entre o aparelho e o participante.


Implicações práticas

Os achados deste estudo têm implicações importantes para o cotidiano. No trabalho, na sala de aula ou em reuniões sociais, manter o celular por perto pode afetar negativamente o raciocínio, a memória e a tomada de decisão — mesmo quando ninguém está usando o aparelho. O estudo sugere que práticas simples, como deixar o celular em outra sala durante atividades que exigem foco, podem ajudar a preservar a capacidade mental.

Isso também levanta questões sobre a maneira como o uso de tecnologias deve ser administrado em ambientes de alta demanda cognitiva, como escolas, ambientes de trabalho e até mesmo interações sociais. A pesquisa revela um paradoxo moderno: os dispositivos criados para aumentar a produtividade e a conectividade também podem, inadvertidamente, nos tornar menos eficientes quando mais precisamos da mente focada.


Conclusão

O estudo de Ward e colaboradores lança luz sobre uma faceta pouco explorada da presença constante da tecnologia: seus efeitos sutis e silenciosos sobre a mente humana. Em um mundo onde a atenção é um dos recursos mais valiosos, talvez o primeiro passo para aumentá-la seja simplesmente deixar o celular fora de vista — e, se possível, fora da sala.

Fonte: https://doi.org/10.1086/691462

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