Sintomas durante a introdução da dieta cetogênica: uma revisão sobre frequência, mecanismos e estratégias de alívio
Ao iniciar uma dieta cetogênica (DC), muitas pessoas relatam uma série de sintomas desagradáveis que, embora transitórios, podem representar um desafio à adesão ao plano alimentar. Essa fase, popularmente conhecida como “gripe cetogênica”, tem sido objeto de crescente interesse científico, sobretudo à medida que os benefícios terapêuticos da DC ganham mais evidência em áreas como obesidade, diabetes tipo 2, epilepsia, doenças neurológicas e até certos tipos de câncer.
Foi com o intuito de mapear a ocorrência, os mecanismos fisiológicos e as estratégias para aliviar esses sintomas iniciais que os pesquisadores Skartun, Smith, Laupsa-Borge e Dankel realizaram uma revisão sistemática da literatura científica, publicada em março de 2025 na Frontiers in Nutrition.
Sintomas mais frequentes
Durante os primeiros dias de uma dieta cetogênica, o organismo passa por um processo de adaptação conhecido como “cetoadaptação”. É nessa fase que o corpo deixa de usar a glicose como principal fonte de energia e passa a produzir e utilizar corpos cetônicos. Essa transição metabólica pode desencadear sintomas como:
- Dor de cabeça
- Fadiga, fraqueza e letargia
- Névoa mental e dificuldade de concentração
- Tontura e sensação de desorientação
- Redução do desempenho físico
- Alterações de humor
- Constipação, diarreia, náusea e vômito
- Cãibras musculares
- Mau hálito (halitose)
- Erupções cutâneas (em casos raros)
- Hipo ou hiperglicemia, especialmente em crianças
A maioria desses sintomas surge entre o segundo e o terceiro dia da dieta e tende a desaparecer em até quatro semanas.
Mecanismos fisiológicos por trás dos sintomas
A revisão identificou algumas causas fisiológicas prováveis para esses desconfortos:
- Perda de sódio e potássio (natriurese e kaliurese): A queda da insulina que acompanha a redução de carboidratos promove a excreção desses eletrólitos pelos rins, levando a uma leve desidratação e sintomas como tontura, fadiga e cãibras.
- Hipoglicemia transitória: Nos primeiros dias, os níveis de glicose caem antes que os corpos cetônicos estejam disponíveis em quantidade suficiente, o que pode gerar fraqueza e irritabilidade.
- Alterações gastrointestinais: O aumento súbito de gordura na dieta pode retardar o esvaziamento gástrico e causar náuseas, diarreia e constipação.
- Mudanças na função hepática: Alguns indivíduos apresentam alterações transitórias em enzimas hepáticas.
- Microbiota intestinal: A mudança na ingestão de fibras e a nova composição da dieta podem impactar a flora intestinal, contribuindo para sintomas gastrointestinais.
- Hipercetose: Em situações excepcionais, níveis elevados de cetonas podem causar mal-estar, especialmente se combinados com baixa ingestão de eletrólitos ou jejum prolongado.
Estratégias para aliviar os sintomas
Apesar da escassez de estudos clínicos rigorosos, diversas estratégias vêm sendo utilizadas com bons resultados práticos:
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Evitar o jejum no início: Tradicionalmente, usava-se um jejum de 24-48h para induzir rapidamente a cetose, mas esse método foi associado a mais efeitos colaterais, especialmente em crianças. Iniciar a dieta diretamente com as calorias e proporções adequadas mostrou-se mais seguro.
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Suplementação com triglicerídeos de cadeia média (TCM): Esses ácidos graxos são rapidamente convertidos em corpos cetônicos e ajudam a elevar os níveis de energia sem causar picos de glicose. Além disso, estudos mostraram melhora em sintomas como cãibras, constipação e dificuldade de concentração.
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Reforço de eletrólitos (sódio, potássio e magnésio): A suplementação desses minerais é amplamente recomendada para mitigar sintomas relacionados à perda de fluidos, como fraqueza, dor de cabeça e hipotensão.
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Consumo moderado de carboidratos: Em certos casos, especialmente em crianças, a reintrodução momentânea de alimentos com carboidratos pode aliviar hipoglicemia e letargia.
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Aumento da ingestão de líquidos: Ajuda a prevenir a constipação e reduzir o risco de pedras nos rins, sobretudo se combinada à suplementação de citrato de potássio, que alcaliniza a urina.
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Uso de corpos cetônicos exógenos: Embora ainda pouco estudados, suplementos como sais ou ésteres de cetona podem elevar rapidamente os níveis de β-hidroxibutirato, reduzindo sintomas associados à baixa disponibilidade energética.
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Formulações menos restritivas: Dietas cetogênicas modificadas, como a dieta de Atkins modificada, permitem um pouco mais de carboidratos e proteínas, o que pode melhorar a adesão e reduzir desconfortos.
Considerações finais
Apesar das limitações metodológicas dos estudos analisados — amostras pequenas, autodeclaração de sintomas e pouca padronização — os autores destacam que os sintomas da “gripe cetogênica” são, em sua maioria, leves, transitórios e evitáveis. Compreender os mecanismos por trás desses efeitos adversos e aplicar estratégias práticas de mitigação pode facilitar a adesão à dieta cetogênica e potencializar seus benefícios terapêuticos.
A conclusão é clara: embora a adaptação à cetose possa ser desconfortável para alguns, há meios seguros e eficazes de superar esse desafio inicial. Com orientação adequada, a dieta cetogênica pode se tornar uma ferramenta poderosa não apenas para o controle do peso, mas também como abordagem terapêutica em várias condições crônicas.
Fonte: https://doi.org/10.3389/fnut.2025.1538266
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