O papel do iodo nos distúrbios metabólicos: conexões além da tireoide


Durante décadas, o iodo foi lembrado principalmente por sua importância na saúde da tireoide. Essencial para a síntese dos hormônios T3 (triiodotironina) e T4 (tiroxina), sua deficiência esteve associada a bócio e atraso no desenvolvimento neurológico. No entanto, um novo olhar está sendo lançado sobre esse micronutriente, revelando que seu papel pode ser muito mais amplo – e impactar profundamente a saúde metabólica.


Foi isso que um grupo de pesquisadores da China investigou em uma abrangente revisão publicada em março de 2024 na Frontiers in Nutrition. O artigo analisa dezenas de estudos clínicos e laboratoriais para compreender como o iodo influencia condições como obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão, dislipidemias e até a síndrome metabólica como um todo.


Iodo: mais do que um ativador da tireoide

O corpo humano não apenas utiliza o iodo para fabricar hormônios tireoidianos, mas também o acumula em outros órgãos como estômago, ovários, mamas, próstata e pâncreas. Isso ocorre graças à presença de transportadores como o NIS (sodium iodide symporter) e o Pendrin, e outros recém-descobertos, como o CFTR e o SMVT. Essa capacidade de "captar" iodo permite que ele atue diretamente em tecidos extratireoidianos, exercendo funções antioxidantes, imunomoduladoras e até de regulação do crescimento celular.


A relação entre o iodo e a síndrome metabólica

A síndrome metabólica é uma combinação de fatores como obesidade abdominal, hipertensão, hiperglicemia e dislipidemia. A revisão aponta que a associação entre iodo e essa condição segue, muitas vezes, uma curva em forma de U: tanto níveis baixos quanto excessivos de iodo podem estar associados a maior risco, enquanto concentrações medianas (300–499 μg/L na urina) parecem ser mais protetoras.


Em mulheres coreanas na pós-menopausa, por exemplo, o consumo de algas (fonte natural de iodo) esteve associado a menor incidência de síndrome metabólica. Já em crianças e adultos com níveis urinários muito altos de iodo, alguns estudos encontraram maior prevalência dessa condição.


Obesidade: um possível elo com a deficiência de iodo

Estudos mostraram que pessoas com obesidade frequentemente apresentam menor concentração de iodo urinário, sugerindo uma possível ligação entre deficiência de iodo e acúmulo de gordura. Ensaios clínicos com suplementação de algas ricas em iodo mostraram redução no percentual de gordura corporal e circunferência abdominal. Além disso, compostos como a fucoxantina – um carotenoide presente em algas marrons – demonstraram potencial de reduzir gordura visceral e o índice de massa corporal.


Hiperglicemia e diabetes

A relação entre iodo e glicose no sangue também parece seguir uma curva em U. Baixos níveis estão associados a maior resistência à insulina e maior glicemia de jejum, especialmente em mulheres. Por outro lado, excesso de iodo também se associou ao aumento de risco de diabetes tipo 2 em alguns grandes estudos populacionais. Curiosamente, gestantes com maior concentração de iodo na água e na placenta apresentaram menor risco de diabetes gestacional.


Dislipidemias e pressão arterial

Pessoas com baixo iodo urinário apresentaram maior risco de elevação de colesterol total e LDL, segundo dados do NHANES nos Estados Unidos. Por outro lado, a suplementação com algas foi capaz de reduzir os níveis de LDL em adultos japoneses com sobrepeso. Já a pressão arterial parece seguir um padrão semelhante ao da glicemia, com risco aumentado tanto na deficiência quanto no excesso de iodo. Em um estudo, o consumo de wakame (alga marrom) reduziu significativamente a pressão arterial em idosos hipertensos.


Como o iodo atua fora da tireoide?

Além de seus efeitos hormonais, o iodo atua como antioxidante, neutralizando espécies reativas de oxigênio (ROS), que estão envolvidas em danos celulares e processos inflamatórios crônicos. Ele também modula o sistema imune, influenciando a produção de citocinas e a quimiotaxia de neutrófilos.


Outro ponto intrigante é a interação entre iodo e microbiota intestinal. Estudos em camundongos mostram que o iodo pode alterar a composição das bactérias intestinais, o que impacta diretamente o metabolismo do hospedeiro.


Além disso, o iodo influencia a atividade de receptores nucleares como o PPAR-γ, que regula a sensibilidade à insulina, a diferenciação de adipócitos e o metabolismo da glicose. Subprodutos iodados de ácidos graxos, como a 6-iodolactona, podem agir como ligantes desses receptores, promovendo efeitos metabólicos positivos.


Uma questão de equilíbrio

A principal mensagem da revisão é clara: o iodo não é apenas uma peça da engrenagem tireoidiana, mas um modulador sistêmico do metabolismo. No entanto, seu impacto depende da dose. Tanto a carência quanto o excesso prolongado podem desencadear efeitos adversos. Isso torna essencial manter níveis adequados e individualizados, considerando fatores como idade, sexo, genética, estado fisiológico (como gravidez), além dos hábitos alimentares locais.


Ainda são necessárias mais pesquisas clínicas bem controladas para definir faixas ideais de consumo e suplementação, principalmente em populações vulneráveis.


Por ora, a lição que fica é que o equilíbrio do iodo na dieta pode ser um componente-chave, ainda que subestimado, na prevenção e manejo de doenças metabólicas complexas.

Fonte: https://doi.org/10.3389/fnut.2024.1346452

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