Dieta do tipo sanguíneo: a ciência desmonta o mito popular
Ao longo das últimas décadas, a dieta do tipo sanguíneo tem sido promovida como uma abordagem nutricional personalizada, baseada na ideia de que os diferentes grupos sanguíneos (A, B, AB e O) determinam quais alimentos são mais adequados para cada indivíduo. Criada por Peter D’Adamo e popularizada em livros best-sellers como Eat Right 4 Your Type, essa dieta conquistou milhões de adeptos ao redor do mundo. No entanto, à medida que a ciência avança, cresce também o número de evidências que desmentem os supostos benefícios dessa abordagem.
Este post tem como objetivo destacar os principais pontos negativos associados à dieta do tipo sanguíneo com base nas evidências científicas mais robustas disponíveis até o momento.
1. Ausência de comprovação científica para os fundamentos da dieta
O primeiro e talvez mais contundente ponto negativo da dieta do tipo sanguíneo é a total ausência de evidência científica que comprove sua eficácia. Em uma revisão sistemática publicada no American Journal of Clinical Nutrition, pesquisadores avaliaram mais de 1.400 estudos científicos e encontraram apenas um que sequer se aproximava da proposta da dieta — e esse estudo nem mesmo utilizava os grupos ABO, mas sim outro sistema sanguíneo, o MNS. O resultado? Nenhum dado que sustentasse os benefícios alegados pela dieta do tipo sanguíneo.
Ou seja, apesar da grande popularidade da dieta, não existe até hoje um único ensaio clínico controlado e randomizado que comprove que seguir uma alimentação específica com base no tipo sanguíneo traga vantagens à saúde.
2. Benefícios percebidos não têm relação com o tipo sanguíneo
Um estudo robusto conduzido por Wang et al., publicado na revista PLOS ONE, analisou mais de 1.400 participantes para verificar se havia alguma relação entre a adesão à dieta do tipo sanguíneo e melhorias em marcadores de saúde cardiometabólica. Curiosamente, eles observaram que certos padrões alimentares (como o da dieta do tipo A, rica em vegetais e grãos) estavam de fato associados a melhores indicadores de saúde — como menor IMC, menor circunferência abdominal, menor pressão arterial e melhores níveis de colesterol e insulina.
Contudo, o ponto-chave está no seguinte achado: esses benefícios ocorreram independentemente do tipo sanguíneo dos participantes. Em outras palavras, uma pessoa do grupo sanguíneo O, por exemplo, teve a mesma melhora ao seguir a dieta “do tipo A” quanto alguém com sangue tipo A. Isso contradiz completamente a premissa fundamental da dieta de D’Adamo.
3. Falha em demonstrar interação entre dieta e grupo sanguíneo
Ainda no estudo de Wang e colaboradores, os pesquisadores buscaram investigar se seguir a dieta “correta” para o próprio tipo sanguíneo traria benefícios adicionais. Mais uma vez, os dados foram claros: não houve nenhuma interação significativa entre o tipo sanguíneo e os efeitos da dieta sobre os marcadores de saúde.
De fato, em alguns casos isolados, indivíduos que seguiram a dieta correspondente ao seu tipo sanguíneo apresentaram até piores indicadores (como maiores níveis de insulina e HOMA-IR). Esses achados sugerem que não só a dieta do tipo sanguíneo falha em trazer benefícios exclusivos, como pode inclusive provocar efeitos adversos em certos contextos.
4. Fundamentação teórica contestada pela genética e pela biologia evolutiva
Outro aspecto crítico diz respeito à base teórica da dieta. D’Adamo afirma que os diferentes grupos sanguíneos evoluíram em momentos distintos da história humana e que cada grupo carrega em sua genética o “registro ancestral” de como nossos antepassados comiam. No entanto, estudos genéticos demonstram que essa premissa é incorreta. Análises filogenéticas mostram que o grupo sanguíneo A, e não o O, provavelmente é o ancestral humano mais antigo.
Além disso, a ideia de que lectinas alimentares causariam aglutinação de células sanguíneas com base no grupo ABO também foi refutada por evidências científicas. Um estudo clássico demonstrou que não há reações específicas de lectinas de alimentos comuns com os diferentes tipos sanguíneos.
5. Risco de restrições alimentares desnecessárias
Aderir cegamente à dieta do tipo sanguíneo pode levar a restrições alimentares arbitrárias e infundadas. Pessoas do tipo O são orientadas a evitar cereais e laticínios, enquanto os do tipo A são incentivados a seguir uma dieta vegetariana. No entanto, essas recomendações não são baseadas em evidência científica e podem comprometer a variedade alimentar e a obtenção de nutrientes essenciais.
Por exemplo, restringir laticínios sem justificativa médica (como intolerância à lactose ou alergia) pode comprometer a ingestão de cálcio e vitamina D, enquanto evitar grãos pode afetar a ingestão de fibras e micronutrientes importantes.
6. Propagação de pseudociência com apelo comercial
A dieta do tipo sanguíneo se tornou um fenômeno editorial, vendendo milhões de cópias no mundo todo. No entanto, o sucesso comercial da proposta não se traduziu em validação científica. Pelo contrário, a literatura científica continua a apontar que as alegações feitas por D’Adamo são essencialmente teóricas, sem respaldo empírico.
Além disso, os produtos associados à dieta — como livros, suplementos e testes genéticos — constituem uma indústria lucrativa, que se beneficia da desinformação e da promessa de soluções personalizadas e milagrosas.
Conclusão: uma proposta cientificamente insustentável
Apesar da retórica sedutora e do apelo à individualização alimentar, a dieta do tipo sanguíneo carece de sustentação científica sólida. As poucas melhorias observadas nos estudos se explicam pelas características gerais das dietas analisadas (como maior consumo de vegetais e menor consumo de alimentos ultraprocessados), e não pela correspondência com o tipo sanguíneo.
Portanto, adotar uma alimentação nutritiva, baseada predominantemente em alimentos de origem animal, continua sendo a melhor recomendação para a promoção da saúde e a prevenção de doenças — independentemente do grupo sanguíneo.
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