Desfechos cardiometabólicos e de risco de obesidade do jejum intermitente seco, do amanhecer ao pôr do sol: o que diz uma revisão abrangente


Nas últimas décadas, a obesidade e as doenças cardiovasculares tornaram-se problemas de saúde pública em escala global, afetando bilhões de pessoas. Dentre as diversas estratégias propostas para prevenir ou reduzir esses riscos, o jejum intermitente vem ganhando destaque. Uma forma específica dessa prática, conhecida como jejum intermitente seco do amanhecer ao pôr do sol — praticado durante o mês do Ramadã por muçulmanos — foi tema de uma ampla revisão publicada em 2025 na revista Clinical Nutrition ESPEN. O artigo investigou sistematicamente os efeitos dessa modalidade de jejum sobre marcadores de saúde cardiometabólica e obesidade.


Uma abordagem abrangente

Esta revisão-abrangente, também chamada de "umbrella review", reuniu 20 meta-análises publicadas entre 2014 e 2024. Foram analisados 1240 conjuntos de dados relacionados a 18 variáveis de saúde, abrangendo medidas antropométricas (como peso corporal, índice de massa corporal e circunferência da cintura), marcadores glicêmicos (glicose de jejum, insulina, HbA1c), perfil lipídico (colesterol total, LDL, HDL, triglicerídeos) e parâmetros de pressão arterial.


A metodologia foi rigorosa. Utilizou-se uma classificação reconhecida (Ioannidis) para avaliar a robustez das evidências, além de análises estatísticas que mediram a heterogeneidade entre os estudos, o risco de viés de publicação e o excesso de significância estatística.


Redução de peso e melhora na composição corporal

Os resultados foram animadores, especialmente entre indivíduos saudáveis. Observou-se redução significativa de peso corporal (Hedges’ G = -0,33), circunferência da cintura (Hedges’ G = -0,30) e percentual de gordura corporal (Hedges’ G = -0,26). Essas reduções foram mais consistentes nas análises com pessoas saudáveis, indicando que o jejum pode ser uma ferramenta eficaz de controle de peso em populações não doentes.


Curiosamente, não se encontrou impacto significativo sobre a massa gorda total, sugerindo que a perda de peso pode estar relacionada a alterações em outros compartimentos corporais, como a massa livre de gordura.


Efeitos sobre pressão arterial e perfil lipídico

O jejum também demonstrou impacto positivo em parâmetros de pressão arterial. Houve reduções significativas tanto na pressão diastólica (Hedges’ G = -0,26) quanto na sistólica (Hedges’ G = -0,23) entre indivíduos saudáveis. Essas reduções também foram observadas em diabéticos, hipertensos e pessoas com esteatose hepática não alcoólica.


No que diz respeito ao perfil lipídico, os efeitos foram mais modestos. Indivíduos saudáveis apresentaram leve redução no colesterol total e nos triglicerídeos, além de um discreto aumento nos níveis de HDL. Já os níveis de LDL apresentaram queda significativa apenas entre os saudáveis. Tais achados sugerem um potencial benefício preventivo do jejum em pessoas sem doenças crônicas, embora os efeitos sejam menos pronunciados em populações com comorbidades.


Glicemia e hormônios reguladores do apetite

A glicemia de jejum foi consistentemente reduzida em diversos grupos, incluindo diabéticos, indivíduos saudáveis e pessoas com esteatose hepática. No entanto, os níveis de HbA1c — um marcador de controle glicêmico de longo prazo — não mostraram alterações significativas. Isso indica que os efeitos do jejum são mais evidentes em curto prazo sobre a glicose, com impacto menos claro em parâmetros de médio e longo prazo.


Adicionalmente, observou-se redução significativa nos níveis do hormônio leptina em indivíduos com sobrepeso ou obesidade, sugerindo um efeito do jejum sobre os mecanismos hormonais de controle do apetite.


Heterogeneidade e limitações

Apesar dos resultados promissores, a revisão destacou limitações importantes. Muitos estudos incluídos apresentaram baixa qualidade metodológica, com alta heterogeneidade entre os achados. Além disso, houve sinais de viés de publicação em parte das associações. Outro fator limitante foi a ausência de ensaios clínicos randomizados, o que compromete a possibilidade de estabelecer relações de causalidade.


A variação na duração do jejum (de 10 a 21 horas, dependendo da localização geográfica) e nas mudanças alimentares durante o Ramadã (alterações nos tipos de alimentos, calorias e horários das refeições) também são fatores que dificultam a interpretação dos resultados.


Conclusão

O jejum intermitente seco do amanhecer ao pôr do sol, tal como praticado durante o Ramadã, mostra-se promissor como estratégia complementar para melhorar parâmetros de saúde cardiometabólica e reduzir o risco de obesidade, especialmente em indivíduos saudáveis. Os benefícios incluem redução de peso, circunferência da cintura, pressão arterial e glicemia, além de ajustes hormonais relacionados ao apetite.


Entretanto, a diversidade metodológica dos estudos e a ausência de ensaios clínicos robustos exigem cautela na interpretação dos dados. Para que essa prática seja adotada com segurança e eficácia fora do contexto religioso, são necessários mais estudos com desenho experimental, controle dietético e análise dos mecanismos fisiológicos envolvidos.

Fonte: https://doi.org/10.1016/j.clnesp.2025.03.006

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