Creatina na dieta e risco de câncer: o que diz o maior estudo populacional dos EUA


Ao longo das últimas décadas, a ciência tem aprofundado suas investigações sobre os efeitos dos alimentos de origem animal na saúde humana. Entre os compostos encontrados exclusivamente em carnes e peixes, a creatina se destaca. Já conhecida por seu papel na performance esportiva, a creatina agora ganha atenção por um possível efeito inesperado: a proteção contra o câncer.


Um estudo publicado em janeiro de 2025 no periódico Frontiers in Nutrition trouxe dados inéditos sobre a relação entre o consumo dietético de creatina e a incidência de câncer entre adultos nos Estados Unidos. A pesquisa utilizou informações do National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES), abrangendo os anos de 2007 a 2018. Ao todo, mais de 25 mil participantes adultos tiveram seus dados alimentares e históricos de saúde analisados, compondo um dos maiores levantamentos populacionais sobre o tema até hoje.


A proposta do estudo

O objetivo dos pesquisadores foi avaliar se existe uma associação entre a ingestão alimentar de creatina e o risco de câncer, além de verificar se essa relação varia conforme idade, sexo ou índice de massa corporal (IMC). A creatina, obtida principalmente por meio do consumo de carne vermelha e frutos do mar, tem propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias e imunomoduladoras — todas relevantes nos processos de desenvolvimento e progressão tumoral.


Resultados principais: menos câncer com mais creatina

Os dados foram surpreendentes. A análise estatística, ajustada para diversos fatores de risco, mostrou que um aumento de um desvio padrão na ingestão de creatina estava associado a uma redução de 5% no risco de câncer. Essa relação negativa foi ainda mais acentuada em dois subgrupos: homens (redução de 7%) e pessoas com sobrepeso (redução de 8%).


Nos participantes com maior consumo de creatina — o quartil superior — a prevalência de câncer foi 9,2 casos a cada 100 pessoas, em comparação com 10,7 casos no quartil de menor ingestão. Essa diferença foi estatisticamente significativa.


Outro achado relevante foi o impacto da idade. Como esperado, o risco de câncer aumentou exponencialmente com o envelhecimento: indivíduos com mais de 66 anos apresentaram um risco 18 vezes maior que os jovens entre 20 e 36 anos.


Um paradoxo resolvido?

Embora a creatina seja usada por células cancerosas para gerar energia e, em teoria, pudesse favorecer a progressão tumoral, os autores argumentam que seus efeitos imunológicos e antioxidantes podem prevalecer nesse cenário. A substância parece melhorar a atividade de células T CD8+, essenciais para combater tumores, além de reduzir a inflamação crônica e o estresse oxidativo — dois pilares do câncer.


No entanto, os resultados não foram uniformes. Em pessoas com baixo peso, um maior consumo de creatina se associou a maior risco de câncer. Os pesquisadores sugerem que, nesse grupo, fatores como desnutrição e imunidade comprometida podem ser mais determinantes do que o efeito isolado da creatina.


Limitações e o que ainda falta investigar

Apesar dos resultados animadores, os autores reconhecem limitações. Os dados de ingestão alimentar foram baseados em apenas dois dias de recordatório, o que pode não refletir a dieta habitual. Além disso, a creatina suplementar — comumente utilizada por atletas — não foi considerada. Outro ponto é que, por se tratar de um estudo observacional, não é possível estabelecer causalidade.


Ainda assim, os achados sugerem que o consumo natural de creatina, por meio de fontes como carne bovina, suína, aves e peixes, pode ter um papel benéfico na prevenção do câncer — especialmente em populações masculinas e com sobrepeso.


Conclusão

O estudo representa um marco na compreensão dos efeitos da creatina além do universo esportivo. Ele indica que esse composto, presente exclusivamente em alimentos de origem animal, pode exercer um papel preventivo contra o câncer por meio da regulação da inflamação, do sistema imune e do metabolismo celular.


Embora mais estudos sejam necessários para confirmar esses efeitos e entender os mecanismos envolvidos, os dados trazem uma reflexão importante sobre as atuais recomendações alimentares. Em um cenário onde o consumo de carne frequentemente é desencorajado por motivos de saúde, talvez seja hora de reavaliar com mais cuidado os nutrientes que vêm junto com ela — e o impacto real de sua exclusão na saúde de longo prazo

Fonte: https://doi.org/10.3389/fnut.2024.1460057

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