A Dieta Aborígene dos Esquimós em Perspectiva Moderna

Durante milênios, os esquimós do Ártico viveram em uma das regiões mais inóspitas do planeta, com invernos longos, pouca luz solar e quase nenhuma vegetação. Ainda assim, mantinham excelente saúde física, vitalidade e resistência às doenças, mesmo sem acesso aos alimentos que a ciência nutricional moderna considera fundamentais: frutas, verduras, grãos e laticínios. Como isso foi possível?


O pesquisador H. H. Draper, da Universidade de Guelph, investigou essa aparente contradição em um artigo publicado em 1977, analisando em detalhes a composição e os efeitos da dieta esquimó aborígene. O que ele encontrou foi surpreendente: apesar de sua simplicidade, a dieta ancestral dos povos do Ártico era altamente eficaz em atender às necessidades nutricionais humanas.


Uma dieta rica, mesmo sem vegetais

A base alimentar dos esquimós era composta por carne de animais terrestres, mamíferos marinhos e peixes. Mesmo sem alimentos vegetais, essa dieta fornecia quantidades suficientes de praticamente todas as vitaminas essenciais.


As vitaminas do complexo B estavam amplamente disponíveis nos tecidos animais. A vitamina A e a vitamina D vinham em abundância dos óleos de peixes e focas. A vitamina E, geralmente associada a óleos vegetais, era suprida de forma eficaz, pois os tecidos animais oferecem essa vitamina em sua forma mais ativa (alfa-tocoferol).


Até mesmo a vitamina C, normalmente relacionada ao consumo de frutas, era consumida em pequenas quantidades suficientes para prevenir escorbuto. A chave estava no preparo: os esquimós comiam carne fresca, crua, congelada ou apenas levemente cozida, preservando o ácido ascórbico presente naturalmente nesses alimentos.


Eficiência metabólica admirável

Sem acesso a carboidratos, a dieta tradicional fornecia energia majoritariamente através da gordura e da proteína. O corpo se adaptava a esse contexto usando os aminoácidos das proteínas para fabricar glicose, suprindo as necessidades do cérebro. Quando a ingestão de proteína era insuficiente, o corpo recorria aos corpos cetônicos — compostos derivados da gordura — como fonte alternativa de energia. E, com o tempo, até o cérebro se adaptava a usá-los com eficiência.


Essa adaptação permitia aos esquimós manter um metabolismo estável e saudável mesmo com quantidades mínimas de açúcar na alimentação. Estudos modernos mostram que, durante o consumo tradicional, os esquimós apresentavam níveis de colesterol e triglicerídeos baixos, apesar da dieta rica em gordura animal.


Gorduras boas e anti-inflamatórias

Outro aspecto positivo é a qualidade das gorduras consumidas. Os animais caçados pelos esquimós — como o caribu e os peixes marinhos — possuíam altas quantidades de ácidos graxos poli-insaturados, especialmente os ômega-3. Esses ácidos graxos são conhecidos hoje por suas propriedades anti-inflamatórias, cardioprotetoras e neuroprotetoras.


As análises mostraram que os tecidos corporais dos esquimós refletiam esse consumo: sua gordura corporal, sangue e órgãos eram ricos nesses lipídios benéficos. Isso pode explicar, em parte, a baixa incidência histórica de doenças cardiovasculares entre os povos tradicionais do Ártico.


Simplicidade que gera equilíbrio

Talvez o maior trunfo da dieta esquimó aborígene seja sua simplicidade. Sem acesso a alimentos processados, açúcares adicionados ou produtos industrializados, os esquimós comiam basicamente o que caçavam ou pescavam. E, ao fazer isso, garantiam um equilíbrio nutricional natural, sem precisar entender bioquímica ou seguir tabelas alimentares.


Eles não tinham problemas com excesso de peso, doenças metabólicas ou pressão alta — condições que se tornaram comuns com a transição para a dieta ocidental moderna, rica em produtos ultraprocessados.


A sabedoria ancestral como modelo

O trabalho de Draper revela um dado fundamental: uma dieta centrada em alimentos animais, rica em gordura e proteína de alta qualidade, pode ser perfeitamente compatível com a saúde humana, inclusive em ambientes extremos. Longe de ser deficiente, a alimentação dos esquimós era funcional, adaptada ao ambiente e sustentada por uma tradição milenar.


Esse modelo ancestral nos convida a refletir sobre os excessos e distorções da alimentação moderna e aponta para uma verdade muitas vezes esquecida: o que é natural, simples e tradicional pode ser, também, o mais saudável.

Fonte: https://doi.org/10.1525/aa.1977.79.2.02a00100

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