Tipos de estudos científicos
Por João Gabriel Marques,
Como é muito comum comentarmos sobre novos estudos aqui no blog, hoje vamos falar um pouco sobre os diferentes tipos de estudos científicos e sua relevância para se entender e discutir assuntos relacionados à saúde.
Podemos separar os estudos da área da saúde em dois grupos principais:
- Estudos observacionais
- Estudos de intervenção
Temos também estudos mais específicos, como os experimentais, que são realizados em células ou animais (ratos, camundongo etc). Entretanto, hoje o foco será nos estudos que envolvem seres humanos.
E, com o intuito de repassar outras informações relevantes, falaremos também sobre:
- Revisões sistemáticas
- Meta-análises
Estudos observacionais
Como o próprio nome sugere, esse tipo de pesquisa faz observações. Os estudos observacionais essencialmente procuram por associações ou correlações entre duas ou mais variáveis de interesse.
Como exemplo, podemos fazer a seguinte pergunta, de maneiras distintas:
- Qual é a relação entre o consumo de café e o diabetes tipo 2?
- Quem bebe mais café tem menor risco de desenvolver diabetes tipo 2?
A forma de escrever essas perguntas é diferente, mas elas possuem essencialmente o mesmo significados: que tipo de associação temos entre café e diabetes tipo 2?
E como responder essas perguntas? Para isso, temos diversos subtipos entre os estudos observacionais, e exemplificaremos cada um deles com esse mesmo tema que relaciona o consumo de café ao desenvolvimento de diabetes tipo 2. Os seguintes são os principais subtipos de estudos observacionais:
Estudos transversais
Nesse tipo de estudo, os pesquisadores selecionam determinada parcela de uma população e observam se, naquele momento — por exemplo, no mês de setembro de 2014 —, as pessoas que bebem mais café apresentam mais (ou menos) diabetes tipo 2. Nos estudos transversais, o interesse está apenas naquele momento específico em que o consumo de café e a presença (ou não) de diabetes tipo 2 são medidos na população. Assim, podemos medir a prevalência (% de pessoas que apresentam determinada condição) de diabetes tipo 2 nas pessoas que bebem muito café e também nas pessoas que bebem pouco café, sendo possível determinar, naquela população, se o consumo de café está associado ao diabetes tipo 2. Nesse caso, seria possível observar, por exemplo, que a presença de diabetes tipo 2 naquelas pessoas que consomem mais café é menor do que nas pessoas que ingerem menos dessa bebida.
Estudos de caso-controle
Os estudos de caso-controle já são diferentes, já que eles são retrospectivos, ou seja, buscam-se associações com eventos que ocorreram no passado. Por exemplo, podemos pegar determinada população em que houve um aumento considerável de casos de diabetes tipo 2 nos últimos anos e tentar entender por que isso aconteceu. Para isso, é necessário coletar dados de consumo alimentar, dos últimos anos, tanto de pessoas que desenvolveram diabetes tipo 2 como de pessoas que não tiveram a doença, para ver se algum alimento ou hábito alimentar está associado ao desenvolvimento de diabetes tipo 2. Nesse caso, seria possível observar, por exemplo, que as pessoas que consumiam menos café nos últimos anos desenvolveram mais diabetes tipo 2 do que as pessoas que bebiam mais café.
Estudos de coorte
Os estudos de coorte, ao contrário dos estudos de caso-controle, normalmente são prospectivos (um exemplo retrospectivo é a coorte histórica, que não entraremos em detalhes). Em outras palavras, seleciona-se um grupo de pessoas para ser acompanhado durante meses ou anos para observar se determinados hábitos ou práticas estão relacionados com o desenvolvimento de algum tipo de doença, por exemplo. No nosso exemplo, podemos acompanhar uma população de adultos por 10 anos para verificar se aqueles que consomem mais café vão apresentar, no futuro, mais (ou menos) casos de diabetes tipo 2. Como estamos medindo novos casos da doença, estamos estimando a incidência (% da população que desenvolveu a doença durante período estudado) de diabetes tipo 2 nessa população.
Entre os observacionais, os estudos de coorte normalmente são considerados os mais fortes para se estudar a relação entre duas ou mais variáveis, ou desfechos, de interesse — justamente por serem prospectivos e, muitas vezes, de longo prazo. Com isso, é mais fácil controlar possíveis variáveis de confundimento. Em segundo lugar temos os estudos de caso-controle, que não são tão fortes porque os participantes do estudo podem, por exemplo, se esquecer de relatar fatos que seriam fundamentais para a determinação de correlações, ou onde a coleta de outros dados pode ser dificultada pelo fato desse tipo de estudo ser retrospectivo — sem contar a possibilidade de causalidade reversa. Por último, temos os estudos transversais, que são naturalmente mais fracos porque analisam apenas um momento muito específico de determinada população, ou seja, não observam o comportamento das variáveis durante o tempo — sendo mais suscetíveis ao confundimento com outras variáveis e hábitos da população, além de também poder sofrer de causalidade reversa.
De qualquer maneira, a pergunta que fica é: o que todos eles têm em comum? O fato de apenas observarem comportamentos, variáveis e desfecho. E, a partir disso, é possível estabelecer associações ou correlações, mas normalmente é muito difícil estabelecer relações de causa e efeito. Por mais bem controlado e de longo prazo que um estudo de coorte seja, por exemplo, é simplesmente impossível controlar todas as variáveis de confundimento que podem mascarar diversas associações, potencialmente tornando “verdadeiras” as associações que são “falsas”, ou levando a crer que determinadas correlações possuem causa e efeito — quando na verdade não possuem (são apenas associações, nada além disso).
O caso do sorvete e do tubarão é um ótimo exemplo do problema com associações. Foi verificado, na Austrália, que o maior consumo de sorvete estava significativamente correlacionado com o maior número de ataques por tubarões. Você acha que consumir sorvete é a causa para ser atacado por tubarões? É claro que não... Nessa situação, a variável de confundimento calor foi “desconsiderada”. Quanto mais quente estava o tempo, mais as pessoas consumiam sorvete e mais as pessoas iam ao mar, aumentando a probabilidade de ocorrência de ataques por tubarão.
Estudos de intervenção: ensaios clínicos
Esses são o padrão-ouro para se estabelecer relação de causa e efeito entre as variáveis sendo analisadas. Existe mais de um tipo de estudo de intervenção, mas hoje focaremos nos ensaios clínicos controlados.
Ensaios clínicos são estudos com humanos, em que uma população de pessoas é dividida, de preferência de forma aleatória, em pelo menos 2 grupos de intervenção, onde o objetivo é avaliar o efeito de determinado tipo de tratamento. Esse tipo de estudo é muito comum para se testar novas drogas, mas também vem sendo cada vez mais utilizado na área da nutrição para se avaliar a efetividade de intervenções nutricionais.
E o que significa o termo “controlado”? Nada mais do que a comparação de um grupo teste (Dieta Mediterrânea, por exemplo) contra um grupo controle (Dieta Ocidental convencional, por exemplo). Existem estudos de intervenções não controlados, ou seja, sem um grupo controle? Sim. Esses estudos muitas vezes recebem a denominação de piloto, nos quais são realizados testes iniciais para se determinar se a intervenção de interesse possui, por si própria, mínima efetividade (mas nem todo estudo piloto necessariamente apresenta ausência de grupo controle). O problema de estudos não controlados é que, mesmo que a intervenção apresente bons resultados, não é possível saber muito bem a magnitude de efetividade do tratamento porque não há outros grupos de comparação no mesmo estudo.
E por que os ensaios clínicos controlados são considerados o padrão-ouro? Justamente pelo seu desenho de estudo. Nele, a população estudada é dividida em pelo menos dois grupos, e todas as variáveis — exceto a intervenção sendo explorada — são controladas, ou seja, tenta-se fazer com que possíveis variáveis de confundimento não influenciem os resultados das intervenções sendo estudadas.
Para que o controle seja o mais rigoroso possível, garantindo que o único efeito observado seja o das intervenções sendo estudadas, o primeiro passo é fazer com que a divisão da população nos grupos seja feita de maneira aleatória. Os estudos que fazem isso são chamados de ensaios clínicos randomizados. Essa característica é importantíssima, porque ela faz com que ambos os grupos apresentem a mesma probabilidade de conter qualquer um dos indivíduos do estudo, minimizando a chance de características individuais dos participantes do estudo influenciem de forma direta os resultados.
Outra característica relevante desses estudos é o cegamento. Quando pelo menos um dos personagens do estudo (pesquisador, participante, outros membros da equipe etc.) não sabe quem são os indivíduos que fazem parte do grupo tratamento e quais fazem parte do grupo controle, podemos dizer que houve cegamento.
Por exemplo, no início de um estudo que se busca avaliar a efetividade da droga X, foi determinado que nem os pesquisadores e nem os participantes vão saber quem recebeu a pílula da droga ou quem recebeu a pílula placebo. Nesse caso, temos um ensaio clínico controlado (grupo de tratamento x grupo placebo) duplo-cego, porque dois personagens do estudo ficaram alheios sobre quem estava recebendo qual tipo de tratamento: pesquisadores e participantes. Naturalmente, caso apenas um personagem passe pelo cegamento — apenas os participantes, por exemplo —, temos um ensaio clínico cego (e não duplo-cego). Quanto maior for o número de pessoas "cegas" num ensaio clínico, menor é a probabilidade de fatores externos e vieses influenciarem nos resultados e na avaliação da efetividade da intervenção estudada.
Revisões sistemáticas e Meta-análises
As revisões sistemáticas são estudos em que critérios muito bem delineados e específicos são determinados previamente, a partir dos quais os pesquisadores vasculham toda a literatura científica em busca de todos os artigos que já foram publicados acerca do tema de interesse.
O grande ponto positivo das revisões sistemáticas, em relação a estudos comuns de revisão da literatura, é que elas são menos suscetíveis à influência de possíveis vieses por parte dos pesquisadores.
Mas por quê?
Em um estudo de revisão comum, os pesquisadores normalmente não informam os critérios utilizados para a busca de artigos; assim, é possível que os autores da revisão selecionem preferencialmente aquele artigos que confirmem a ideia ou visão pré-concebida que eles possuem ou querem passar — caracterizando o viés na seleção e inclusão dos artigos para revisão. Por outro lado, numa revisão sistemática os autores não apenas deixam bem claro, na seção de Metodologia do estudo, todos os critérios de inclusão e exclusão de artigos para se realizar a busca na literatura científica, mas também — por esse motivo — são "obrigados" a incluir todos os artigos encontrados segundo os critérios pré-estabelecidos, diminuindo de forma muito significativa a probabilidade de influência de possíveis vieses.
Assim, as revisões sistemáticas, comparadas a revisões comuns, apresentam um panorama muito mais completo e fidedigno sobre o que a literatura realmente diz sobre determinado assunto.
As meta-análises são um tipo especial de estudo — ou, na verdade, um subtipo de estudo: toda meta-análise é feita após a condução de uma revisão sistemática. Para sua realização, os estudos individuais encontrados na revisão sistemática, que possuem características e metodologias semelhantes, são agrupados para que um único efeito final possa ser calculado; no caso, o efeito final é resultado da "soma" de cada um dos resultados dos estudos individuais que foram incluídos na análise.
Por exemplo, se quisermos determinar o efeito de dietas hiperproteicas sobre a saúde dos rins, podemos realizar uma revisão sistemática da literatura para identificarmos todos os ensaios clínicos randomizados que avaliaram esse tema, definindo outros importantes critérios de inclusão e exclusão de artigos. Se obtivermos um número minimamente significativo e suficiente de estudos individuais, podemos dar um passo adiante e realizar uma meta-análise para saber se, juntos, esses estudos nos mostram uma evidência mais concreta, e objetiva, do real efeito das dietas hiperproteicas sobre a saúde renal.
As meta-análises são muito interessantes de serem realizadas quando estudos com metodologias semelhantes apresentam resultados aparentemente discordantes. Assim, combinando-os podemos ter uma ideia melhor da relação entre as variáveis que estamos estudando. Entretanto, é sempre necessário ter muita cautela na leitura e interpretação de meta-análises, tendo em vista que uma metodologia inadequada para esse tipo de estudo, assim como uma baixa qualidade metodológicas dos estudos individuais selecionados para análise, pode comprometer qualquer resultado obtido.
Como curiosidade, vale ressaltar que meta-análises não necessariamente precisam ser realizadas a partir de ensaios clínicos, apesar de esses serem os estudos mais comuns para serem avaliados numa meta-análise. Atualmente é relativamente comum vermos meta-análises conduzidas a partir de estudos de coorte, por exemplo.
Considerações finais
De forma esquemática, podemos apresentar os principais tipos de estudos científicos da seguinte forma:
Como os ensaios clínicos, quando bem delineados e conduzidos, conseguem isolar a variável de interesse e controlar grande parte dos possíveis fatores de confundimento, a determinação da relação de causa e efeito é muito mais factível com esse tipo de estudo.
No nosso exemplo anterior, de uma população dividida em Dieta Convencional ou Dieta Mediterrânea, caso as pessoas que foram aconselhadas a seguirem a Dieta Mediterrânea (grupo tratamento) apresentem maior perda de peso do que as pessoas que seguiram a Dieta Convencional (grupo controle) — e desde que as demais variáveis sejam bem controladas —, podemos dizer que tal resultado foi um efeito do tratamento ou da intervenção nutricional. E quando temos um efeito, temos uma causa. Assim, temos uma relação de causa e efeito no estudo, onde as pessoas que seguiram a Dieta Mediterrânea perderam mais peso por causa dessa intervenção nutricional.
Por outro lado, os estudos observacionais são basicamente incapazes de apresentar, de forma clara e direta, qualquer tipo de relação de causa e efeito. É possível identificar apenas associações.
Fonte: https://bit.ly/2ULPSgF
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