As propriedades viciantes do trigo


por Thynus,


Compulsão, sintomas de abstinência, delírio e alucinações. Não estou descrevendo doenças mentais nem uma cena de Um estranho no ninho. Estou falando desse alimento que você leva para sua cozinha, compartilha com os amigos e mergulha no seu café.

Examinarei por que o trigo, por seus efeitos intrigantes sobre o cérebro, efeitos que ele compartilha com drogas opiáceas, é único entre os alimentos. Tais efeitos explicam por que algumas pessoas enfrentam uma dificuldade incrível para eliminar esse cereal de sua dieta. Não se trata apenas de falta de determinação ou de conveniência, nem do fato de ser difícil romper um hábito arraigado. Trata-se de cortar relações com algo que tem um domínio sobre sua psique e suas emoções, que não é diferente do domínio que a heroína exerce sobre o dependente desesperado.

Embora você conscientemente consuma café e álcool para obter efeitos mentais específicos, o trigo é algo que você consome para se “nutrir”, não para experimentar um “barato”. Como as pessoas que tomaram o refrigerante na reunião evangelizadora de Jim Jones(a), você talvez não tenha consciência de que esse alimento, aprovado por todos os órgãos “oficiais”, está mexendo com sua cabeça.

É muito comum pessoas que eliminaram o trigo da dieta relatarem melhora no ânimo, humor mais regular, maior capacidade de concentração e sono mais profundo, em questão de dias ou semanas desde a última mordida numa rosca ou a última garfada de lasanha. Entretanto, é difícil quantificar essas experiências subjetivas que não deixam “marcas” em nosso cérebro. Essas experiências também estão sujeitas ao efeito placebo – isto é, as pessoas simplesmente acham que estão se sentindo melhor. Entretanto, fico impressionado com a constância com que elas ocorrem e com o fato de a maioria das pessoas as vivenciar, uma vez que se abrandem a confusão mental e a fadiga, efeitos iniciais da síndrome de abstinência. Eu mesmo experimentei esses efeitos, e também os testemunhei em milhares de pessoas.

É fácil subestimar a influência psicológica do trigo. Até que ponto um inocente bolinho de farelo pode ser perigoso, afinal?

“O PÃO É MEU CRACK!”

O trigo é o Haight-Ashbury(b) dos alimentos, e não há nada que se equipare a ele em seu potencial para gerar efeitos totalmente singulares no cérebro e no resto do sistema nervoso. Não há dúvida: o trigo provoca dependência em algumas pessoas. E em algumas dessas pessoas a dependência se transforma em obsessão.

Alguns dependentes do trigo sabem muito bem que têm esse problema. Ou talvez essas pessoas se percebam como dependentes de algum alimento que tenha o trigo como ingrediente, por exemplo, massas ou pizza. Antes mesmo que eu lhes diga, elas já sabem que sua dependência alimentar preferida as deixa um pouco “eufóricas”. Ainda me arrepio quando uma dona de casa dedicada à família, convencional e bem vestida, confessa em desespero: “O pão é meu crack. Eu simplesmente não consigo largá-lo!”.

O trigo pode determinar a escolha do alimento, a quantidade de calorias consumidas, os horários de lanches e refeições. Ele pode influenciar o comportamento e o humor. Pode até mesmo dominar os pensamentos. Muitos de meus pacientes, quando lhes apresento a sugestão de eliminar o trigo da dieta, relatam terem ficado obcecados com produtos de trigo, a ponto de, ao longo de semanas, pensar constantemente neles, falar sobre eles e salivar por causa deles. “Não consigo parar de pensar em pão. Eu sonho com pão!”, dizem-me eles, o que leva alguns a sucumbir a um frenesi de consumo de trigo e desistir da dieta apenas alguns dias depois de terem-na iniciado.

Há também, é claro, o outro lado da dependência. Quando as pessoas abandonam por si próprias os produtos que contêm trigo, 30% delas passam por algo que só pode ser chamado de síndrome de abstinência.

Eu pessoalmente já vi centenas de pessoas relatarem fadiga extrema, confusão mental, irritabilidade, incapacidade para cumprir suas funções no trabalho ou na escola e até mesmo depressão nos primeiros dias ou semanas após a eliminação do trigo. Consegue-se alívio total com um bagel ou um cupcake (ou, infelizmente, o que é mais provável, quatro bagels, dois cupcakes, um saco de pretzels, dois bolinhos e um punhado de brownies, acompanhados, na manhã seguinte, por um horrível remorso pela recaída). É um círculo vicioso: basta a abstinência de uma substância, para que ocorram, de imediato, sintomas decididamente desagradáveis. Quando se volta a consumi-la, os sintomas desagradáveis desaparecem. Para mim, isso é muito parecido com dependência química e sintomas de abstinência.

Quem não experimentou esses efeitos acha que isso tudo é bobagem, que é um exagero acreditar que algo tão corriqueiro quanto o trigo possa afetar o sistema nervoso central, como fazem a nicotina ou o crack.

Existe uma razão cientificamente plausível tanto para os efeitos da dependência do trigo como para os da abstinência dele. O trigo não atua apenas sobre o cérebro normal; ele afeta também o vulnerável cérebro anormal, e as consequências disso ultrapassam a mera dependência e abstinência. Estudar os efeitos do trigo sobre o cérebro anormal pode nos ensinar algo sobre por que motivo e de que maneira o trigo pode estar associado a esses fenômenos.

O TRIGO E A MENTE ESQUIZOFRÊNICA

As primeiras lições importantes acerca dos efeitos do trigo sobre o sistema nervoso central surgiram em estudos de seus efeitos em portadores de esquizofrenia.

Os esquizofrênicos levam uma vida difícil. Eles lutam para distinguir a realidade da fantasia interna, muitas vezes nutrindo delírios persecutórios, até mesmo acreditando que sua mente e seus atos são controlados por forças externas. (Basta lembrar do “Filho de Sam” David Berkowitz, o assassino em série da cidade de Nova York que atacava suas vítimas obedecendo as ordens de seu cachorro.

Felizmente, o comportamento violento não é comum em esquizofrênicos, mas esse exemplo ilustra quão profundo pode ser o problema.) Uma vez diagnosticada a esquizofrenia, há pouca esperança de que a pessoa venha a ter uma vida normal de trabalho, família e filhos. Uma vida de internações, medicamentos com terríveis efeitos colaterais e uma luta constante com sinistros demônios internos é o que aguarda o paciente.

Quais são, então, os efeitos do trigo na mente vulnerável do esquizofrênico?

O trabalho do psiquiatra F. Curtis Dohan, cujas observações se estenderam desde a Europa até a Nova Guiné, foi o primeiro a estabelecer formalmente uma relação entre os efeitos do trigo e o cérebro esquizofrênico. O doutor Dohan enveredou por essa linha de investigação porque observou que, durante a Segunda Guerra Mundial, homens e mulheres esquizofrênicos da Finlândia, da Noruega, da Suécia, do Canadá e dos Estados Unidos precisaram ser hospitalizados um menor número de vezes quando a falta de alimentos tornou o pão indisponível, e o número de hospitalizações só voltou a aumentar quando o consumo do trigo foi normalizado, com o fim da guerra (1).

O doutor Dohan observou um padrão similar entre os caçadores-coletores de Nova Guiné, que viviam como na Idade da Pedra. Antes da chegada da influência ocidental, a esquizofrenia era praticamente desconhecida entre a população; fora diagnosticada em apenas dois dos 65 mil habitantes do local. À medida que hábitos alimentares ocidentais foram se infiltrando na população, com a introdução de produtos feitos do trigo cultivado, da cerveja feita de cevada e do milho, o doutor Dohan observou a rápida multiplicação do número de casos de esquizofrenia, que aumentou 65 vezes (2). Com essas informações preliminares, ele começou a desenvolver as observações que deveriam estabelecer se havia ou não uma relação de causa e efeito entre consumo de trigo e esquizofrenia.

Em meados da década de 1960, enquanto trabalhava no Veterans Administration Hospital [Hospital da Organização dos Veteranos de Guerra], na Filadélfia, o doutor Dohan e seus colaboradores decidiram eliminar todos os produtos de trigo das refeições fornecidas a pacientes esquizofrênicos, sem seu conhecimento ou permissão. (Isso ocorreu em época anterior à exigência do consentimento livre e esclarecido dos participantes de uma pesquisa médica ou científica, e antes da divulgação do abominável experimento com a sífilis em Tuskegee [estado do Alabama, Estados Unidos], que desencadeou o clamor público e resultou na legislação que exige que os participantes sejam plenamente informados a respeito antes de concordar.) Ora vejam só, quatro semanas sem trigo e havia melhora nítida e mensurável nos sintomas característicos da doença: uma quantidade reduzida de alucinações auditivas, menor ocorrência de delírio, menos distanciamento em relação à realidade. Os psiquiatras então voltaram a incluir o trigo na dieta dos pacientes, e as alucinações, delírios e distanciamento social voltaram rapidamente. Retirou-se o trigo outra vez; pacientes e sintomas melhoraram. Voltou-se a incluir o trigo, eles pioraram (3).

As observações realizadas na Filadélfia com esquizofrênicos foram corroboradas por psiquiatras da Universidade de Sheffield, na Inglaterra, que chegaram a conclusões semelhantes (4). Desde então chegou a haver relatos de remissão total da doença, como o caso descrito por médicos da Universidade Duke, de uma mulher esquizofrênica de 70 anos que, ao longo de 53 anos, sofreu com delírios, alucinações e tentativas de suicídio com objetos cortantes e produtos de limpeza, e teve um alívio total da psicose e dos impulsos suicidas em oito dias de abstenção do trigo (5).

Embora pareça improvável que a exposição ao trigo tenha causado a esquizofrenia originalmente, as observações do doutor Dohan e de outros pesquisadores sugerem que o trigo esteja associado a um agravamento mensurável dos sintomas.

Outra condição vulnerável da mente que pode sofrer os efeitos do trigo é o autismo. Crianças autistas apresentam dificuldade para interagir socialmente e se comunicar. A frequência desse tipo de transtorno aumentou nos últimos quarenta anos, passando de raro, em meados do século XX, para 1 em cada 150 crianças no século XXI (6). Pequenas amostragens iniciais revelaram melhora em comportamentos autísticos com a remoção do glúten do trigo (7, 8). No ensaio clínico mais abrangente até hoje, que envolveu 55 crianças autistas dinamarquesas, medidas formais mostraram melhora do comportamento autístico com a eliminação do glúten (acompanhada da eliminação da caseína de laticínios) (9).

Embora a questão ainda esteja em discussão, uma proporção substancial de crianças e adultos com o transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDA/H) também pode reagir à eliminação do trigo. Entretanto, os resultados costumam ser confusos em decorrência da sensibilidade a outros componentes da dieta, como, por exemplo, açúcares, adoçantes artificiais, aditivos e laticínios (10).
É improvável que a exposição ao trigo seja a causa inicial do autismo ou do TDA/H; mas, como no caso da esquizofrenia, o trigo parece estar associado ao agravamento dos sintomas característicos desses distúrbios.

Embora pessoas como nós, do conforto de nossa posição do século XXI, de consentimento livre e esclarecido, possam se arrepiar com o tratamento de cobaias de laboratório dado aos pacientes esquizofrênicos do Veteran Administration Hospital, na Filadélfia, ainda assim o caso é um exemplo claro do efeito do trigo sobre o funcionamento mental. Mas por que cargas-d’água a esquizofrenia, o autismo e o TDA/H são exacerbados pelo trigo? O que existe nesse cereal que piora a psicose e outros comportamentos anormais?

Pesquisadores dos National Institutes of Health (NIH) [Institutos Nacionais da Saúde] trataram de buscar respostas.

EXORFINAS: A LIGAÇÃO ENTRE O TRIGO E A MENTE

A doutora Christine Zioudrou e seus colaboradores nos NIH submeteram a principal proteína do trigo, o glúten, a um processo digestivo simulado para reproduzir o que acontece depois que comemos pão ou outros produtos que contenham trigo (11). Exposto à pepsina (uma enzima estomacal) e ao ácido clorídrico (o ácido estomacal), o glúten é decomposto, transformando-se numa mistura de polipeptídios. Os polipeptídios dominantes foram então isolados e administrados a ratos de laboratório. Descobriu-se que esses polipeptídios tinham a capacidade peculiar de atravessar a barreira hematoencefálica, que separa a corrente sanguínea do sistema nervoso central. Essa barreira existe por um motivo: o sistema nervoso central é altamente sensível à larga variedade de substâncias que têm acesso ao sangue, algumas das quais podem provocar efeitos indesejáveis caso penetrem em algumas das partes desse órgão, como a amígdala, o hipocampo, o córtex cerebral ou outras estruturas. Uma vez dentro do cérebro, os polipeptídios do trigo ligam-se aos receptores de morfina, exatamente os mesmos aos quais se ligam as drogas opiáceas.

Zioudrou e seus colaboradores chamaram esses polipeptídios de “exorfinas”, uma abreviatura para “compostos exógenos semelhantes à morfina”, distinguindo-os das endorfinas, compostos endógenos (de origem interna) semelhantes à morfina que se manifestam, por exemplo, durante o “barato” de quem pratica corridas de longa distância. O mais importante dos polipeptídios que cruzaram a barreira hematoencefálica foi chamado por eles de “gluteomorfina”, ou composto semelhante à morfina derivado do glúten (embora, para mim, esse nome lembre algo como injeção de morfina aplicada no traseiro). Os pesquisadores levantaram a hipótese de que as exorfinas seriam os fatores ativos derivados do trigo responsáveis pelo agravamento de sintomas observados nos pacientes esquizofrênicos do hospital da Filadélfia e de outros lugares.

Ainda mais revelador é o fato de que os efeitos dos polipeptídios do glúten sobre o cérebro são bloqueados pela administração de uma droga, a naloxona.

Imagine que você seja um dependente de heroína do centro decadente de uma grande cidade. Você foi esfaqueado durante uma negociação de drogas que não deu certo e acabou sendo levado para o atendimento de emergência do hospital mais próximo. Por estar em estado alterado, em função da heroína, você se debate e grita com a equipe da emergência que está tentando socorrê-lo. Por isso esse pessoal simpático o imobiliza com faixas de contenção e lhe aplica uma injeção de uma droga chamada naloxona; e num instante você não está mais alterado. Por meio da magia da química, a naloxona neutraliza de imediato a ação da heroína ou de qualquer outra droga opiácea, como a morfina ou a oxicodona.

Em animais de laboratório, a administração da naloxona impede a ligação das exorfinas do trigo ao receptor de morfina das células cerebrais. Isso mesmo, a naloxona, que bloqueia drogas opiáceas, impede que as exorfinas derivadas do trigo se liguem aos receptores do cérebro. Exatamente a mesma droga que anula o efeito da heroína num dependente de drogas violento também bloqueia os efeitos das exorfinas do trigo.

Num estudo da Organização Mundial da Saúde com 32 esquizofrênicos que tinham alucinações auditivas, revelou-se que a naloxona reduzia as alucinações (12). Infelizmente, a etapa seguinte, pela lógica – administrar a naloxona a esquizofrênicos submetidos a uma dieta “normal”, contendo trigo, em comparação com a administração da naloxona a esquizofrênicos submetidos a uma dieta sem trigo – não foi examinada. (Estudos clínicos que possam levar a conclusões que não corroborem o uso de uma droga não costumam ser realizados. Nesse caso, se a naloxona tivesse se revelado benéfica para os esquizofrênicos consumidores de trigo, a conclusão inevitável teria sido pela eliminação do trigo da dieta, não pela prescrição da droga.)

A experiência com a esquizofrenia mostra que as exorfinas do trigo têm o potencial de exercer efeitos diversos no cérebro. Quem não sofre de esquizofrenia não experimenta alucinações auditivas produzidas pelas exorfinas resultantes de um pão de cebola, mas, ainda assim, esses compostos chegam ao cérebro, da mesma forma que chegam ao cérebro do esquizofrênico. A experiência também ressalta como o trigo é realmente excepcional entre os grãos, já que outros grãos, como o painço e a linhaça, por exemplo, não geram exorfinas (uma vez que eles não contêm glúten), nem propiciam comportamentos compulsivos ou síndrome de abstinência, independentemente de o cérebro ser normal ou não.

É assim que funciona seu cérebro sob efeito do trigo: a digestão libera compostos semelhantes à morfina, que se ligam aos receptores opiáceos do cérebro. Isso induz uma espécie de recompensa, uma leve euforia. Quando o efeito desses compostos é bloqueado, ou quando não se consome nenhum alimento gerador de exorfina, algumas pessoas experimentam sintomas de abstinência decididamente desagradáveis.

O que acontece se forem administradas drogas bloqueadoras dos efeitos dos opiáceos a pessoas normais (isto é, não esquizofrênicas)? Num estudo realizado no Instituto de Psiquiatria da Universidade da Carolina do Sul, participantes consumidores de trigo que receberam naloxona consumiram 33% menos calorias no almoço e 23% menos no jantar (um total de aproximadamente 400 calorias a menos, somando as duas refeições) do que os participantes aos quais foi dado um placebo (13). Na Universidade do Michigan, comedores compulsivos ficaram confinados por uma hora numa sala cheia de comida. (Aí está uma ideia para um novo programa de televisão: Quem engorda mais?) Com a administração da naloxona, os participantes consumiram 28% menos biscoitos de trigo, palitos de pão e pretzels (14).

Em outras palavras, uma vez bloqueada a recompensa do trigo, na forma de euforia, a ingestão de calorias diminui, pois o trigo deixa de gerar as sensações agradáveis que estimulam o consumo repetitivo. (Como se poderia prever, essa estratégia está sendo desenvolvida pela indústria farmacêutica para a comercialização de uma droga para a redução do peso que contém naltrexona, um equivalente da naloxona para uso oral. Afirma-se que a droga bloqueia o sistema mesolímbico de recompensa, localizado nas profundezas do cérebro humano e responsável pela geração de sensações agradáveis ativadas pela heroína, morfina e outras substâncias. As sensações prazerosas podem ser substituídas por sensações de disforia ou insatisfação. Portanto, a naltrexona estará associada à bupropiona, medicamento antidepressivo e auxiliar no tratamento para o abandono do hábito de fumar.)

De sintomas da síndrome de abstinência a alucinações psicóticas, o trigo participa de alguns fenômenos neurológicos peculiares. Recapitulando:

  • O trigo comum, ao ser digerido, libera polipeptídios que têm a capacidade de penetrar no cérebro e ligar-se a receptores opiáceos.
  • A ação dos polipeptídios derivados do trigo, as chamadas exorfinas, como as gluteomorfinas, pode ser bloqueada por drogas bloqueadoras de opiáceos, a naloxona e a naltrexona.
  • Quando administradas a pessoas normais ou a pessoas que não conseguem controlar o apetite, as drogas bloqueadoras de opiáceos provocam a redução do apetite, das compulsões alimentares e da ingestão de calorias, tanto quanto provocam desânimo, e parecem ter efeito particularmente específico sobre produtos que contêm trigo.

O trigo, na realidade, é um alimento quase único por seus poderosos efeitos sobre o sistema nervoso central. Se não considerarmos as substâncias inebriantes, como o etanol (presente em seu merlot ou chardonnay preferidos), o trigo é um dos poucos alimentos que conseguem alterar o comportamento, provocar prazer e gerar uma síndrome de abstinência ao ser eliminado da dieta. E foi preciso realizar observações em pacientes esquizofrênicos para que aprendêssemos alguma coisa sobre esses efeitos.

VITÓRIA SOBRE AS COMPULSÕES NOTURNAS

Desde suas lembranças mais remotas, Larry lutava com o peso.

Uma luta que ele nunca conseguira compreender: ele se exercitava, muitas vezes com exagero. Não raro percorria 80 quilômetros de bicicleta ou fazia caminhadas de 24 quilômetros na floresta ou no deserto. Em seu trabalho, Larry conheceu muitos lugares diferentes dos Estados Unidos. Suas viagens costumavam levá-lo ao sudoeste, onde ele fazia caminhadas de até seis horas de duração. Ele também se orgulhava de seguir uma dieta saudável: limitava o consumo de carne vermelha e gorduras e comia uma boa quantidade de verduras, legumes e frutas. E, é claro, uma profusão dos “grãos integrais saudáveis”.

Conheci Larry porque ele teve um problema de ritmo cardíaco, do qual tratamos facilmente. Mas seu exame de sangue foi outra história. Em suma, estava um desastre: glicemia na faixa do pré-diabetes; nível de triglicerídeos alto demais, 210 mg/dL; o HDL, baixo demais, 37 mg/dL; além disso, 70% das partículas de colesterol LDL eram do tipo pequeno, que causa doença cardíaca. A pressão sanguínea era uma questão importante, com valores sistólicos (“alta”) atingindo 170 mmHg e os valores diastólicos (“baixa”) em torno de 90 mmHg. Além disso, Larry, com 1,73 m de altura e 110 quilos, estava uns 35 quilos acima do peso.

“Não consigo entender. Eu me exercito mais do que qualquer um que você conheça. Eu realmente gosto de me exercitar. Mas simplesmente não consigo, não consigo perder peso, não importa o que eu faça.” Larry relatou suas aventuras dietéticas, que incluíam uma dieta em que só consumia arroz, programas de bebidas proteicas, regimes de “desintoxicação” e até mesmo hipnose. Todas resultaram na perda de poucos quilos, que logo eram readquiridos. Ele confessou, porém, um excesso específico:
“Meu maior problema é com meu apetite à noite. Depois do jantar, não consigo resistir ao impulso de beliscar. Tento só beliscar alimentos saudáveis, como pretzels de trigo integral e cream-crackers de multigrãos com patê de iogurte. Mas às vezes eu como o tempo todo, desde o jantar até ir para a cama. Não sei por que motivo, mas alguma coisa acontece à noite, e eu simplesmente não consigo parar.”

Conversei com Larry sobre a necessidade de eliminar de sua dieta o mais poderoso estimulador do apetite: o trigo. Larry lançou-me aquele olhar que dizia “não me venha com mais uma ideia maluca!”. Depois de um forte suspiro, ele concordou em experimentar. Com quatro adolescentes em casa, limpar as prateleiras de tudo o que fosse de trigo foi uma tarefa e tanto, mas ele e a mulher conseguiram.

Um mês e meio depois, Larry voltou a meu consultório. Relatou que, após três dias, sua compulsão por beliscar à noite tinha desaparecido por completo. Ele agora jantava e se sentia satisfeito, sem nenhuma necessidade de beliscar. Ele também percebeu que sentia muito menos apetite durante o dia; e que seu desejo por lanchinhos tinha praticamente desaparecido. Ele também admitiu que, agora que sua compulsão por comida estava menor, a quantidade de calorias ingeridas e o tamanho das porções estavam muito menores que antes. Sem ter alterado seus hábitos de atividade física, ele tinha perdido “apenas” 5 quilos. Mas o mais importante de tudo era que ele sentia que tinha reassumido o controle sobre seu apetite e seus impulsos, sensação que havia perdido anos antes.

O TRIGO: UM ESTIMULANTE DO APETITE

Viciados em crack e em heroína, drogando-se nos cantos escuros de uma casa de tráfico no centro decadente de uma grande cidade, não pensam duas vezes antes de consumir substâncias que perturbam sua mente. Mas o que dizer de cidadãos respeitáveis, como você e sua família? Aposto que, para você, alterar a mente é escolher o café forte em vez do fraco na Starbucks, ou entornar uma Heineken a mais da conta no fim de semana. Mas quando ingere trigo você, sem saber, está ingerindo o alimento mais comum que se conhece que tem o poder de alterar sua mente.

Na realidade, o trigo é um estimulante do apetite. Ele faz você querer cada vez mais – mais biscoitos, cupcakes, pretzels, balas, refrigerantes. Mais bagels, bolinhos, tacos, sanduíches gigantes, pizzas. Ele faz você querer tanto alimentos que contêm trigo quanto os que não contêm. E, ainda por cima, para algumas pessoas o trigo é uma droga, ou pelo menos provoca efeitos neurológicos específicos, semelhantes aos produzidos por drogas e que podem ser neutralizados com medicamentos usados para combater os efeitos de narcóticos.

Se você rejeita a ideia de ser medicado com uma droga como a naloxona, talvez faça a seguinte pergunta: “O que acontecerá se, em vez de bloquear quimicamente o efeito do trigo sobre o cérebro, você simplesmente eliminar completamente o trigo da dieta?”. Bem, essa é exatamente a pergunta que venho fazendo. Desde que você consiga tolerar os sintomas de abstinência (apesar de desagradável, a síndrome de abstinência é geralmente inofensiva, afora a irritação rancorosa que você poderá despertar em seu cônjuge ou em seus amigos e colegas de trabalho), a fome e a compulsão diminuem, diminui a ingestão de calorias, o ânimo e o bem-estar melhoram, os quilos em excesso vão embora e a barriga de trigo diminui.

Quando entendemos que o trigo, especificamente as exorfinas derivadas do glúten, tem potencial para gerar euforia e comportamento dependente e estimular o apetite, temos um meio poderoso para controlar o peso. Livre-se do trigo, livre-se dos quilos a mais.

Trigo contém substâncias tão nocivas quanto algumas drogas

a Jim Jones foi um líder espiritual norte-americano que fundou a seita Templo dos Povos. Ele foi o mentor do suicídio em massa da comunidade de Jonestown, na Guiana, em 18 de novembro de 1978, resultando em 918 mortes, em sua maioria por envenenamento. (N. do E.)

b Bairro de San Francisco que se tornou famoso por sua ligação com a contracultura e os alucinógenos. (N. da T.)

Referências:

  1.  Dohan, F. C. “Wheat ‘Consumption’ and Hospital Admissions for Schizophrenia During World War II. A Preliminary Report”. Jan. 1966; 18(1):7-10.
  2.  Dohan, F. C. “Celiac Disease and Schizophrenia”. British Medical Journal, 7 jul. 1973; 51-52.
  3.  Dohan, F. C. “Hypothesis: Genes and Neuroactive Peptides from Food as Cause of Schizophrenia”. In: Costa, E. e Trabucchi, M. (orgs.): Advances in Biochemical Psychopharmacology, Nova York: Raven Press, 1980; 22:535-48.
  4.  Vlissides, D. N.; Venulet, A.; Jenner, F. A. “A Double-Blind Gluten-Free/Gluten-Load Controlled Trial in a Secure Ward Population”. British Journal of Psychiatry, 1986; 148:447-52.
  5.  Kraft, B. D.; West, E. C. “Schizophrenia, Gluten, and Low-Carbohydrate, Ketogenic Diets: a Case Report and Review of the Literature”. Journal of Nutrition and Metabolism, 2009; 6:10.
  6.  Cermak, S. A.; Curtin; C.; Bandini, L. G. “Food Selectivity and Sensory Sensitivity in Children with Autism Spectrum Disorders”. Journal of the American Dietetic Association, fev. 2010; 110(2):238-46.
  7.  Knivsberg, A. M.; Reichelt, K. L.; Hoien, T.; Nodland, M. “A Randomized, Controlled Study of Dietary Intervention in Autistic Syndromes”. Nutritional Neuroscience, 2002; 5:251-61.
  8.  Millward, C.; Ferriter, M.; Calver, S. et al. “Gluten- and Casein-Free Diets for Autistic Spectrum Disorder”. Cochrane Database Systematic Reviews, 16 abr. 2008; (2):CD003498.
  9.  Whiteley, P.; Haracopos, D.; Knivsberg, A. M. et al. “The ScanBrit Randomised, Controlled, Single-Blind Study of a Gluten- and Casein-Free Dietary Intervention for Children with Autism Spectrum Disorders”. Nutritional Neuroscience, abr. 2010; 13(2):87-100.
10.  Niederhofer, H.; Pittschieler, K. “A Preliminary Investigation of ADHD Symptoms in Persons with Celiac Disease”. Journal of Attention Disorders, nov. 2006; 10(2):200-4.
11.  Zioudrou, C.; Streaty, R. A.; Klee, W. A. “Opioid Peptides Derived from Food Proteins. The Exorphins”. Journal of Biological Chemistry, 10 abr. 1979; 254(7):2446-9.
12.  Pickar, D.; Vartanian, F.; Bunney Jr., W. E. et al. “Short-Term Naloxone Administration in Schizophrenic and Manic Patients. A World Health Organization Collaborative Study”. Archives of General Psychiatry, mar. 1982; 39(3):313-9.
13.  Cohen, M. R.; Cohen, R. M.; Pickar, D.; Murphy, D. L. “Naloxone Reduces Food Intake in Humans”. Psychosomatic Medicine, mar./abr. 1985; 47(2):132-8.
14.  Drewnowski, A.; Krahn, D. D.; Demitrack, M. A. et al. “Naloxone, an Opiate Blocker, Reduces the Consumption of Sweet High-Fat Foods in Obese and Lean Female Binge Eaters”. American Journal of Clinical Nutrition, 1995; 61:1206-12.

Fonte: http://bit.ly/389j2em

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